“Em uma economia global, na qual a habilidade mais valiosa que você pode vender é o conhecimento, a boa educação não é mais só a trilha para as oportunidades – é pré-requisito. Três quartos das carreiras de maior crescimento hoje exigem mais do que o diploma universitário. Esta noite peço a todos que dediquem pelo menos um ano a mais ao ensino superior ou à qualificação profissional. Qualquer que seja esse treinamento, todos precisarão ter mais do que um diploma universitário.”
O trecho ao lado foi tirado do primeiro discurso de Barack Obama no Congresso como presidente, em fevereiro, no qual ele colocou a educação no mesmo patamar de medidas contracíclicas (que servem de contrapeso em momentos de retração econômica), como corte de juros e gastos em infraestrutura. Um raciocínio que ajuda a explicar o aparente paradoxo registrado no Brasil: com a crise, várias escolas perceberam aumento na demanda, especialmente por cursos de Master in Business Administration (MBA), que têm maior peso no currículo.
“Investir num curso em um momento difícil pode ser contraditório, mas ajuda o aluno a se manter empregado ou melhora as chances de conseguir outro emprego”, diz Edson Crescitelli, diretor acadêmico de pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing. A ESPM registrou aumento de 50% na procura pelos cursos de MBA e Master em Marketing no início do ano, na comparação com igual período de 2008.
Obama destinou à educação US$ 100 bilhões dos US$ 787 bilhões do seu pacote de estímulo à economia. Mas não deixou de convocar os americanos a, por decisão própria, voltar às salas de aula. No Brasil, o que tem valido mesmo é esse tipo de iniciativa individual. A analista de sistemas Simone Chaves, de 42 anos, fazia MBA na ESPM quando foi demitida. “Aproveitei para me dedicar totalmente. Usei a última disciplina do curso para planejar meu próprio negócio.” Simone concluiu o curso em abril. “Já sugeri o MBA para várias pessoas: você foge da visão bitolada que a profissão impõe e a rede de contatos te deixa mais seguro para buscar oportunidades.”
A mesma lógica levou Theron Morato, de 36 anos, a manter o investimento de US$ 40 mil no MBA Executivo da Universidade de Pittsburgh, em São Paulo. Em fevereiro, no segundo mês do curso, perdeu o cargo de gerente de Novos Negócios de uma multinacional de software. “A crise só me incentivou a fazer o curso, que já namorava havia três anos.”
Após tentar recolocação profissional durante três meses, Morato foi contratado por uma consultoria multinacional no início de junho, para coordenar a área de Tecnologia da Informação. “Consegui o emprego por contatos pessoais, mas durante a procura tive a ajuda de meus colegas.”
Anderson Goes da Silva, de 26 anos, passa pela mesma situação já vivida por Morato. Formado em Administração, tem seis anos de experiência profissional e cursa desde outubro o MBA em Gestão de Negócios e Vendas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em fevereiro, perdeu o emprego de analista de vendas de uma importadora de máquinas industriais. “Estava sendo treinado para ocupar a gerência da área. Fiquei surpreso”, diz. “Se antes o MBA viria para alavancar a minha carreira, agora vai me ajudar a voltar para o mercado de trabalho.”
A turbulência econômica não custou o emprego de Jeferson Mathias, de 34 anos, mas exigiu muita reflexão antes que ele decidisse fazer o MBA na PUC-SP. Uma trajetória construída cuidadosamente há 14 anos levou-o à gerência comercial de uma empresa de tecnologia da informação. Mathias decidiu retomar os estudos para progredir na carreira – no setor em que trabalha, há outros nove profissionais e um deles já tem MBA –, ambição que quase esbarrou na crise financeira. “Fiquei em dúvida se seria a hora de gastar com MBA. Mas toda crise gera oportunidades. Fazer a especialização é também estar mais preparado e apto a perceber tais oportunidades quando elas surgirem”, diz Mathias. “O mercado é dinâmico e tem concorrência forte.”
“É a empregabilidade que está vulnerável. Com a especialização, você se diferencia”, diz o coordenador de pós-graduação do Mackenzie, Marcos Rizzoli. Como na ESPM, a demanda pelos mais de 60 cursos de pós e MBA do Mackenzie aumentou. “Percebemos uma procura bombástica pelas áreas de Engenharia e Tecnologia, Administração e Negócios e Direito”, afirma.
O coordenador geral de MBA do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper, antigo Ibmec), Silvio Laban, notou nos cursos uma presença maior de alunos do setor financeiro, um dos mais afetados pela crise. “Eles buscam formação mais ampla e sofrem redução maior de postos de trabalho.”
Apesar do aumento do interesse dos profissionais, muitas companhias cortaram ou reduziram o subsídio para educação executiva. Segundo a Fundação Dom Cabral (FDC), que atua em MBAs exclusivos para empresas, a procura subiu cerca de 30% desde o início do ano, mas a parcela paga pelas empresas caiu. “No ano passado elas arcavam com 70% do curso. Neste ano, caiu para 60%”, diz Silene Magalhães, gerente de programas nacionais e internacionais da FDC.
Situação parecida ocorreu nos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Cerca de 50 alunos cancelaram matrícula por causa do fim do apoio das empresas, segundo o coordenador dos cursos da instituição, Paulo Lemos. “Isso aconteceu principalmente em empresas que se sentiram prejudicadas pela crise.” Apesar das desistências, a procura cresceu 70% na comparação entre o primeiro semestre de 2009 e igual período de 2008. “Metade do aumento ocorreu pela crise e, a outra parte, por causa da unidade aberta no início do ano.”
Com a redução dos auxílios corporativos e o aumento da procura, o faturamento das escolas de negócio ficou mais dependente da verba individual. Para se adaptar, algumas delas melhoraram as condições de pagamento. Nos EUA, a Universidade de Pittsburgh e a Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, ampliaram prazos. Escolas brasileiras seguiram o exemplo. Na Business School São Paulo (BSP), o parcelamento passou de 20 para 30 meses.
Uma saída nessa hora de aperto é recorrer a bolsas como a da Fundação Estudar, criada pelos ex-controladores do Banco Garantia, que apoia alunos de graduação e mestrado dispostos a estudar nas melhores escolas do mundo. Quem fez isso em crises anteriores na economia se deu bem. Com duas graduações na USP, em Direito e Jornalismo, Cláudio Freddo, de 41 anos, decidiu fazer pós no exterior em 1999, ano da turbulência cambial que pulverizou o valor do real ante o dólar. Aos 27 anos, já trabalhava num escritório conceituado e deu assessoria a grupos que participavam de grandes privatizações no Brasil. “Falava-se muito em globalização e eu tinha vontade de participar daquilo. Só que achava minha formação incompleta, pelo padrão de educação do Primeiro Mundo.”
Decidido a fazer o LLM, mestrado considerado o equivalente em Direito ao MBA, Freddo foi aceito na Universidade Columbia, em Nova York. “Muitos amigos me perguntaram se eu estava louco.” Freddo não se abalou. Pediu licença não remunerada no emprego e conseguiu a bolsa para ajudar a bancar os US$ 60 mil gastos nos dez meses de Columbia, entre taxas da universidade e o custo de se manter em Nova York. Depois de concluir o LLM, Freddo ainda trabalhou um ano como associado num escritório de advocacia americano. “Jamais teria a vaga se não tivesse passado por Columbia.”
Na volta ao Brasil, Freddo abriu seu próprio escritório, que trabalha com Direito Comercial e Empresarial. Dá consultoria a pequenos e médios clientes estrangeiros em fusões e aquisições no País. “Lá fora, aprendi como funciona a cabeça do americano para negócios. E estabeleci uma rede de contatos útil até hoje.”
Engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Paulo Soares, de 40 anos, logo migrou para a área de administração. Trabalhou oito anos na Brahma/Ambev, onde chegou a gerente comercial. Decidiu que era hora de fazer o MBA no exterior em 1997, ano da crise asiática.
“Queria mudar de patamar na carreira e não levei em conta o momento da economia”, diz Soares, hoje diretor de Operações da Imbra, rede de clínicas odontológicas. “Meu sonho era ir atrás de conhecimento sólido. Isso é maior que qualquer ciclo econômico.”
Soares também conseguiu bolsa da Estudar para fazer o MBA no Insead, em Fontainebleau, perto de Paris, onde ficou um ano e dois meses. Na volta, recebeu convite para trabalhar na consultoria Booz Allen. “O MBA e a consultoria me deram uma nova visão, a capacidade de resolver problemas de forma mais ampla. Expandi minha experiência em vendas para áreas como estratégia, marketing e finanças.”
Um aspecto curioso da passagem de Soares pelo Insead diz respeito ao networking, algo que ele abominava. “Achava isso de fazer contatos meio medíocre, interesseiro.” Pois bem: a saída dele da Brahma para a Booz Allen ocorreu por indicação de um colega de curso. Isso se repetiu duas vezes: quando Soares foi trabalhar na Telefônica e, depois, na Ultragaz. “Meu patamar de salário triplicou dois anos depois de eu ter voltado da França e nunca mais deixei de ocupar cargos de diretoria.” COLABORARAM ELIDA OLIVEIRA E BRUNA TIUSSU, ESPECIAL PARA O ESTADO, E SERGIO POMPEU