domingo, 23 de março de 2008

Bolsas: dead cat bounce?

A expressão do título acima é usada por operadores de Bolsa nos EUA para designar o momento em que o mercado acionário consegue a sua última recuperação antes de sucumbir de uma vez. Em uma tradução livre, significaria algo como "pulo do gato morto".

É como se alguém jogasse um gato já morto de cima de um prédio. Devido à altura, ao cair no chão o bicho dá um último pulo e cai novamente, morto como jazia desde o início.

O corte de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros (para 2,25% ao ano) promovido ontem pelo Fed, o banco central norte-americano, produziu um euforia considerável no mercado financeiro dos EUA e brasileiro. Foi o sexto corte consecutivo nos juros e as Bolsas voltaram a subir com força. Mas resta saber se, a exemplo do gato, elas estão apenas dando a sua última mexida positiva antes de caírem mortas mais uma vez.

A decisão do Fed selou pelo menos uma convicção. Os EUA estão na bica de uma recessão e agora resta saber quanto tempo ela vai durar. Quanto mais longa e pronunciada, pior para o mundo. É história da carochinha achar que países emergentes como o Brasil vão escapar ilesos.

Um encadeamento simples: os EUA importam horrores em produtos acabados da China, que importa suas matérias-primas de países como o Brasil. Se os EUA compram menos, a China vende menos e o Brasil também. Os emergentes ficarão, portanto, bem mais dependentes apenas de seu mercado interno. Se tiverem de importar demais para abastecê-lo (caso atual do Brasil, onde as importações estão em alta meteórica), logo logo terão problemas na sua balança comercial e de pagamentos.

Pior. O que há de assustador nessa história da turbulência financeira atual é que ainda está extremamente superficial e mal contada a novela dos prejuízos dos bancos norte-americanos. O anúncio da venda no final de semana do banco Bear Stearns, quebrado, ao JP Morgan pela bagatela de US$ 236 milhões (um valor ridículo em qualquer lugar do mundo) dá uma dimensão (e um frio na espinha) das proporções que a crise pode alcançar.

Goste-se ou não das medidas, consideradas lenientes com um mercado que abusou da dose, o Fed está fazendo o que pode para segurar as pontas. Resta saber se será o suficiente. E se essa ação toda não é sinal de que a coisa é bem mais feia do que imaginamos.

Um atenuante importante na comparação com crises passadas é que o mundo inteiro está crescendo a taxas fortes há cinco anos. No colapso financeiro de 2001, quando essa fase vigorosa da economia mundial apenas se esboçava, os EUA tiveram uma recuperação relativamente rápida da recessão em que se meteram.

Desta vez, isso pode acontecer em uma velocidade ainda maior. Naquela ocasião, além dos bancos, a maioria das empresas produtivas norte-americanas amargava prejuízos importantes e passava por momentos embaraçosos, com fraude atrás de fraude sendo reveladas em seus balanços. Desta vez, a situação é diferente.

O problema é que pode ser diferente além da conta. Se um banco como o Bear Stearns pode ser vendido por míseros R$ 370 milhões (valor equivalente a menos de 5% do lucro líquido do Bradesco em 2007), parece que tudo pode acontecer. Notícia de proporções semelhantes envolvendo um bancão de peso nos EUA poderia causar uma onda negativa ainda não vista, mesmo por muita gente com idade mais avançada nesse mundo capitalista.

Nesse caso, o gato já estaria morto há algum tempo.


Por Fernando Canzian