quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Poison pills: proteção aos acionistas em aquisições hostis ou veneno de fato?

Por: Giulia Santos Camillo

Para muito além de uma disc
ussão pontual, toda movimentação e análise geradas pelos rumores de venda da Positivo Informática (POSI3) reacenderam o polêmico debate acerca das vantagens e desvantagens das poison pills (pílulas de veneno) e seus impactos nas práticas de governança corporativa.

Embora em condições normais (sem ofertas hostis) este seja um assunto mais presente nos ambientes jurídicos e nas discussões sobre governança do que entre a maioria dos investidores, esse tipo de cláusula merece atenção, já que está presente em grande parte dos estatutos sociais das empresas, principalmente daquelas que abriram capital nos últimos três anos.

Essas cláusulas têm origem no início da década de 1980, nos Estados Unidos, em uma época na qual se popularizaram as aquisições hostis com o objetivo de subdividir a companhia e obter lucro com a venda de suas várias operações. Dessa forma, as poison pills têm como objetivo maior a proteção da dispersão da base acionária, dificultando a aquisição hostil de uma companhia e tornando-a menos atrativa aos olhos dos rivais.

Aqueles que são a favor...
Porém, desde o início de sua utilização, essas cláusulas estatutárias têm gerado controvérsias. Do lado dos argumentos favoráveis, André Jánszky, sócio da Shearman & Sterling, cita o fato de que a adoção da poison pill força o adquirente a negociar diretamente com o Conselho de Administração, "órgão com maior acesso a informações da companhia", além de garantir maior tranqüilidade na análise da oferta.

Cabe lembrar que o stock purchase right só poderá ser exercido caso o gatilho seja disparado sem o consentimento do Conselho de Administração. Assim, outro ponto positivo é que a poison pill evita ofertas coercitivas pelo adquirente, protegendo os acionistas.


- Um pouco de História -
Nos EUA, podem-se citar três gerações distintas de poison pills:

1ª Geração: feita mediante a distribuição de ações preferenciais a acionistas, a título de dividendos. No caso de uma incorporação ou aquisição, esses papéis poderiam ser convertidos em um número determinado de ações da adquirente, fazendo com que sua participação fosse diluída.

2ª Geração: como a emissão de ações preferenciais impactava o balanço das empresas, as poison pills passaram a ser concebidas como stock purchase right (direito de compra de ação). Dessa forma, os acionistas - com exceção do adquirente - poderiam comprar ações da companhia remanescente com um grande desconto, também resultando na diluição da participação da concorrente.


3ª Geração: uma das mais usadas atualmente, essas poison pills levam o nome de "flip-in, flip-over". No caso de uma aquisição, as características flip-in dão direito aos acionistas (sempre excetuando-se o adquirente) de comprarem ações da empresa remanescente com desconto . Já as características flip-over dão o direito aos acionistas de comprarem ações ordinárias do adquirente a um preço inferior ao do mercado no caso de uma incorporação.

Nesse sentido, Jánszky lista estudo estatístico que demonstra que a adoção da cláusula não afeta o preço das ações (Kidder Peabody, 1997) e outros três que mostram um aumento no prêmio mediante o uso do dispositivo, todos realizados pelo JPMorgan. O primeiro mostra uma elevação de 15,9% (1995), o segundo um aumento de 9,6% (1997) e o terceiro um aumento de 4% em transações acima de US$ 1 bilhão (2001).

... e os que são contrários
Por outro lado, os argumentos desfavoráveis são tão convincentes quanto os primeiros. Ainda conforme Jánszky, as pessoas contrárias à adoção da poison pill afirmam que ela pressupõe que os acionistas não são capazes de tomar decisões adequadas, retirando seu direito de aceitar ou recusar uma oferta. Além disso, essa cláusula pode favorecer a continuidade de uma administração ruim.

Outros pontos levantados são a redução da eficiência econômica e o fato da cláusula desestimular boas ofertas pelo adquirente, afastando a possibilidade de uma operação potencialmente favorável aos acionistas.

Nesse caso, Jánszky cita três estudos de Ryngaert (1986), Malatesta & Walking (1988) e Comment & Schwert (1993 e 2000) que mostram ligação entre a redução do preço das ações mediante a adoção da poison pill. Mais específico, o estudo de Ryngaert mostra uma queda de 2,21% nos preços no caso do anúncio ser feito durante uma oferta e 0,61% nos demais casos.

Redução da adoção
Com um maior ativismo dos acionistas nos EUA, a adoção das poison pills sofreu uma flexibilização, sendo que muitas companhias passaram a condicionar a implementação desses mecanismos à votação dos investidores. Dessa forma, houve uma redução no número de empresas que utilizam a cláusula.

As pesquisas da Shearman & Sterling mostram que, entre 2004 e 2008, o número de companhias norte-americanas na lista da Fortune 100 que adotavam a poison pill caiu de 33 para 12. Já de 2002 a 2006, o número de empresas dos EUA no índice S&P 500 que utilizavam tal cláusula caiu de 300 para 185.

Poison pills no Brasil
No Brasil, a aquisição hostil - que independe do consentimento dos controladores da companhia - está prevista na Lei de Sociedades Anônimas e na Instrução Normativa da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que condiciona a aquisição do controle de uma companhia aberta à realização de uma OPA (Oferta Pública para Aquisição de Ações).

Dessa forma, um dos mecanismos mais utilizados atualmente no Brasil é de que o investidor que adquirir mais do que um percentual pré-estabelecido (normalmente entre 10% e 20%) do total de ações ordinárias é obrigado a realizar uma OPA para a aquisição de todas as ações da companhia, mediante um preço mínimo acrescido de um prêmio sobre o valor do papel.

A melhor exemplificação das práticas mais utilizadas atualmente no Brasil é o caso da Positivo. Além de estabelecer que qualquer acionista que adquira 10% ou mais do total de ações deverá realizar a OPA no prazo de 30 dias, a poison pill da Positivo estabelece que o preço da OPA não poderá ser inferior à maior cotação unitária das ações durante o período de 24 meses anteriores.

"No entanto, o estatuto da Positivo possui uma peculiaridade que pode ter passado despercebida. O estatuto está blindado contra mudanças do próprio estatuto", alerta a Link Investimentos sobre uma cláusula que obriga os acionistas que tiverem votado a favor de uma alteração ou exclusão da poison pill a realizar uma OPA.

Na verdade, a questão não é tão incomum e está presente em diversos estatutos de empresas brasileiras, gerando maior dificuldade para mudar essas poison pills. Enquanto os juristas procuram brechas para "burlar" as poison pills, as discussões giram em torno da legalidade dessas imposições e de seus reflexos nas práticas de governança corporativa de cada companhia.