terça-feira, 29 de junho de 2010

O Racha no G-20

LIANA VERDINI

A reunião de líderes das grandes economias mundiais e dos principais países emergentes (G-20) terminou e deixou claro para todos que o mundo está mesmo rachado. Depois daquela união inicial, quando a crise global arrastou os bancos e as economias de todo o planeta, eliminando empregos e provocando recessão de uma hora para outra de norte a sul, leste a oeste do globo, percebe-se facilmente os blocos que se formaram.


De um lado, as nações que ainda lutam para escapar da crise e recuperar a confiança dos investidores, lançando mão de medidas de ajuste fiscal, como corte de gastos e aumento das receitas, para reequilibrar as contas públicas. Providências que fazem parte do tradicional receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI) e que é tido e havido como recessivo. De outro, aqueles países que já conseguiram superar as maiores dificuldades e começam a crescer novamente, ainda que em ritmo mais lento do que o previsto pelos próprios governos.



Os menos afortunados agora estão obrigados a reformar os sistemas de previdências, limitar os ganhos e benefícios dos servidores públicos e taxar os bancos, alçados à condição de vilões depois que se fartaram de ganhar dinheiro ao conceder empréstimos com critérios de aprovação no mínimo duvidosos. É nessa situação que se encontram diversos países europeus. Na Grécia, que passou a ocupar espaço inédito na imprensa mundial, é onde a crise ganhou contornos dramáticos, com o governo ameaçando dar calote nos investidores que compraram títulos públicos por total incapacidade financeira de pagar a dívida. Mas outros vários também foram obrigados a fazer pesados ajustes nas contas públicas para evitarem a tragédia grega, caso de Letônia, Portugal, Itália, Espanha, Inglaterra. Também anunciaram medidas de austeridade França e Alemanha.



Os mais sortudos falam em manter os benefícios fiscais de estímulo ao consumo e ao crescimento econômico e nem querem ouvir falar em cortes de gastos públicos e taxação do sistema financeiro. Esse é o caso de Estados Unidos e China. O Brasil também sentiu os efeitos do tranco mundial, mas superou as dificuldades rapidamente, graças à redução de impostos incidentes sobre produtos e à expansão da oferta de crédito. Portanto, faz parte do segundo grupo.



Lados opostos



É esse o racha que se evidenciou na reunião de líderes no Canadá. Ao Brasil, e também aos Estados Unidos e à China, interessa que a Europa, destino certo de uma parcela expressiva das exportações brasileiras, mas também norte-americanas e chinesas, ajuste suas finanças estimulando o crescimento e o aumento da receita com impostos, não cortando despesas e promovendo uma recessão. Um modelo alinhado com o que fazem as autoridades brasileiras para equilibrar as contas públicas.



Para o bloco de países que começam a fazer a roda da economia girar novamente, o cenário europeu representa alto risco, pois ameaça abortar a incipiente recuperação mundial. Mas aos europeus, preocupados que estão em salvar a ideia do bloco e da união monetária, interessa recuperar a confiança dos investidores para que voltem a comprar títulos públicos e a financiar o rombo de suas contas. Crescer pouco, para eles, não é problema, pois há anos não conseguem fazer deslanchar a economia e a geração de empregos. Seria apenas mais do mesmo.


Especuladores de olho



No Brasil, o freio de arrumação europeu foi sentido na expressiva redução do dinheiro enviado para cá para ser aplicado em empresas e no mercado financeiro. Pelas estimativas do Banco Central, o investimento direto em empresas em todo este ano não será mais de US$ 45 bilhões, como previsto inicialmente, mas de US$ 38 bilhões. Para a Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), o ano termina com investimentos no setor produtivo ainda menores, de US$ 35 bilhões. Já o capital destinado ao mercado financeiro — à compra de títulos de renda fixa e ações — deverá chega a US$ 35 bilhões, mas pode crescer ainda mais, dependendo de como se comportem os juros pagos aos investidores. Essa é uma conta que interessa aos especuladores.



Parceiros encolhidos



O resultado disso tudo é que nos cinco primeiros meses deste ano, segundo o Banco Central, o dinheiro proveniente da Holanda e da Espanha não tomaram o rumo do Brasil, como estava ocorrendo nos últimos anos. No ano passado (janeiro a maio), o total de recursos oriundos da Holanda foi de US$ 2,6 bilhões. Este ano, em igual período, baixou para US$ 1,1 bilhão, fazendo com que a participação holandesa no total de investimentos diretos no Brasil caísse de 20,6% em 2009 para 7,3% em 2010. O mesmo ocorreu com a Espanha, que reduziu de US$ 1 bilhão para US$ 313 milhões os investimentos diretos — retração de 10,8% para 2% na participação nessa conta.



Com crescimento econômico expressivo, em alguns momentos rivalizando com o chinês, o Brasil acabou mesmo foi atraindo a atenção mundial. E o que todos se perguntam agora é até onde isso vai. É o que a revista inglesa The Economist, uma das mais importantes do mundo, está fazendo. Sob o tema “Essa história de sucesso vai continuar?”, a publicação realiza nesta sexta-feira, dia 2, em Paris, na França, o seminário The Brazil Business Summit, para tentar concluir se o momento vivido pela economia brasileira é de crescimento sustentável. E essa é uma questão que também os brasileiros querem saber: esse ciclo de benesse econômica veio pra ficar?