terça-feira, 16 de novembro de 2010

Crise da dívida revela fraude massiva na União Europeia

Autor(es): Jamil Chade
O Estado de S. Paulo

Casos de fraude ou irregularidade no uso do dinheiro público dobraram de 2008
para 2009 na UE

Limoeiros inexistentes na Sicília, vacas imaginárias na Eslovênia,  cursos de
liderança em plantações de repolho na Eslováquia ou acadêmicos  com carros de
luxo na Grécia. Vivendo um arrocho de gastos públicos sem  precedentes e
pressionada a reduzir seu déficit, a União Europeia (UE)  lança uma verdadeira
caça às bruxas para determinar qual o destino dado a  bilhões de euros nos
últimos anos e descobre que a fraude com os  recursos vai bem além do que muitos
contribuintes imaginavam.

Com um dos PIBs (Produto Interno Bruto) mais altos do planeta, o  bloco que
representa a maior economia do mundo esteve acostumado nas  últimas décadas a
orçamentos bilionários e que eram distribuídos para  diversos grupos com a meta
de aumentar a competitividade do continente,  garantir pesquisa e mesmo proteger
áreas verdes.
Mas com os principais contribuintes em profundas dificuldades, a  ordem é a de
cortar gastos. Países que deveriam fazer suas contribuições  ao orçamento
europeu como França, Espanha e Reino Unidos estão sendo  obrigados a elevar a
idade mínima de aposentadoria, demitir funcionários  públicos e congelam
salários de enfermeiros, médicos, professores e  policiais.

Não por acaso, a ordem é a de cortar também o aporte que dão à UE em  Bruxelas.
Para o orçamento de 2011, a Comissão Europeia apresentou uma  proposta para um
aumento de 5,9% no valor de gastos em comparação a  2010.

Vivendo sua pior crise da dívida em décadas, os estados insistiram  que apenas
dariam um aumento de 2,9%.
Varredura. Mas outro pilar da estratégia é o de fazer uma varredura  nas contas.
O que seria apenas mais uma auditoria nas contas públicas,  porém, acabou
mostrando o que muitos já chamam de "o lado negro da  civilização europeia".

Nesta semana, auditores da UE revelaram que mais de 1,4 bilhão de foi  alvo de
fraude apenas em 2009. Outros 15 bilhões de euros ainda foram  usados em
projetos sem qualquer relevância ou em licitações públicas  repletas de
irregularidades.

Alguns dos casos mais graves estão no setor rural europeu. Quase  metade do
orçamento de 120 bilhões da UE é distribuído em subsídios  agrícolas. A
conclusão dos auditores é de que, por dia, 3,8 milhões do  dinheiro público são
desviados ou usados de forma irregular por  fazendeiros.

Um dos casos descobertos pelos auditores foi o pagamento de subsídios  para um
fazendeiro que alegava ter limoeiros na Sicília. Ao ser  visitado, o
beneficiário não conseguiu achar sua própria produção de  limões.

Em outro caso, também na Itália, um criador de ovelhas alugava seu  rebanho a
pessoas que quisessem mostrar à UE que tinham uma produção e  que precisavam de
subsídios. Como Bruxelas envia os recursos dependendo  do número de cabeças de
animais, o criador não hesitou em percorrer sua  região "alugando" as ovelhas
para que fazendeiros fraudassem a UE.

Na Eslovênia, o produtor foi ainda mais ousado: recebia recursos da  UE por
vacas que jamais teve. Na Hungria, 411 mil foram destinados a uma  clínica de
reabilitação de cães, enquanto na Áustria 16 mil foram dados  para um programa
que ajudava fazendeiros da região do Tirol a  "incrementar sua conexão emocional
com a terra".

Há ainda os exageros de 5,2 milhões gastos em apenas um ano com  carros de luxo para parlamentares, ou outros 5,1 milhões para promover  atividades culturais para os funcionários da UE. O que mais assusta a UE  é que os casos de fraude e irregularidades dobraram entre 2008 e 2009.  Apenas no setor agrícola, a fraude em um ano chegou a quase 600 milhões.  Só a Grécia terá de devolver aos cofres da UE mais de 347 milhões.