segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Duplo mergulho ou pouso suave?

Marcelo Carvalho
29/11/2010


O que esperar hoje da economia mundial? Duas coisas chamam atenção: primeiro, a economia global engata uma marcha mais lenta - ou seja, o crescimento médio nos próximos anos será menor que o crescimento médio dos anos dourados antes da crise de 2009. Faz sentido. Afinal, o mundo agora enfrenta pelo menos três ventos que sopram contra: maior regulamentação dos bancos, menor alavancagem financeira e menor espaço para expansão fiscal. A recessão de 2009 foi severa no mundo desenvolvido, com retrações dramáticas, da ordem de 2% a 5%. Em 2010, a partir de uma base extremamente deprimida, o crescimento econômico nos Estados Unidos, Japão e na área do euro pula para a casa dos 2% a 3%. Mas, passado o efeito trampolim, volta a desacelerar para a faixa de 1% a 2% em 2011.

Em segundo lugar, a composição do crescimento global apresenta uma clara dicotomia - impulsionadas por suas demandas domésticas, as economias emergentes têm um desempenho bem melhor que as economias avançadas. Não que o mundo emergente seja absolutamente alheio ao que acontece no mundo desenvolvido. Longe disso. Mas em termos relativos, as perspectivas das economias emergentes hoje parecem bem mais ensolaradas que o panorama ainda nublado das economias desenvolvidas.

O mundo desenvolvido caminha para um duplo mergulho? Provavelmente não. Há riscos, claro. Os países da chamada periferia da Europa enfrentam desafios importantes. E o mercado de trabalho americano continua deprimido, com um mercado imobiliário que talvez ainda leve muitos anos para se recuperar plenamente. Mas o arcabouço institucional hoje na Europa é mais claro que no passado, e a política monetária americana deve ser capaz de evitar o pior, com um provável afrouxamento monetário a caminho, incluindo compras adicionais de títulos públicos por parte do banco central dos Estados Unidos. Em suma, o crescimento nas principais economias avançadas deve ser lento nos próximos anos, mas ainda assim positivo. Patina, mas não derrapa.

    Se a economia global embicar para uma nova recessão com tal virulência que derrube também a Ásia emergente, arrastando para baixo os preços de commodities e fluxos de capitais, ninguém ficará imune. Ninguém. Mas esse não parece ser hoje o cenário mais provável.

Ainda assim, o sentimento do mercado financeiro provavelmente continuará pendular, oscilando de um extremo a outro. No início do ano, o grande debate era sobre "estratégias de saída" - ou seja, quando e como começar a elevar os juros excepcionalmente baixos nas economias avançadas para níveis mais normais. Mais tarde, com dados mais fracos, especialmente na economia americana, voltaram as preocupações com a fragilidade da recuperação econômica global, e renasceu o temor de deflação nas economias avançadas. Nos próximos meses, o humor dos mercados provavelmente vai continuar bastante sensível à evolução do quadro macroeconômico. Difícil prever exatamente quando e de onde virá o próximo choque. Solavancos episódicos parecem inevitáveis.

Quais serão as implicações para economias emergentes como a do Brasil? Ironicamente, o cenário global mais provável parece favorável aos países emergentes. O cenário de crescimento lento no mundo desenvolvido significa que os juros nas economias avançadas continuarão extremamente baixos ainda por um bom tempo. "Low for long" é a expressão em inglês que resume essa perspectiva de juro global baixo por um tempão. Desde que se evite uma recaída séria da economia global, essa liquidez global abundante estimula a procura dos investidores internacionais por ativos de maior remuneração. Esse dilúvio significa uma enxurrada de capitais internacionais para economias emergentes. É esse contexto global que ajuda a explicar as pressões para valorização cambial em países como o Brasil.

Mas a desaceleração global não esfria também o lado real da economia local? Depende dos vínculos de cada economia com o resto do mundo. Por exemplo, o México é ligado pelo umbigo à economia americana, que absorve mais de 80% das exportações mexicanas. A vizinhança faz diferença. Em outras palavras, o problema no México hoje é o CEP errado.

Já no caso do Brasil e da maioria dos outros países da América Latina, os vínculos crescentes são com a Ásia emergente - e com a China em particular. Enquanto a China continuar a ter um bom desempenho econômico, como se espera, e os preços internacionais de commodities permanecerem elevados, países exportadores de commodities como o Brasil tendem a se beneficiar.

Claro que, se a economia global embicar para uma nova recessão com tal virulência que derrube também a Ásia emergente, arrastando para baixo os preços de commodities e fluxos de capitais, ninguém ficará totalmente imune. Ninguém. Mas esse não parece ser hoje o cenário mais provável. Para países como o Brasil, na verdade talvez o maior risco seja o oposto. No cenário global mais provável, talvez seja arriscado contar apenas com desinflação externa para conter eventuais pressões domésticas sobre a inflação local, caso a demanda doméstica aqui se mostre tão forte a ponto de ameaçar o cumprimento das metas de inflação.

Afinal, um dos mecanismos de transmissão do cenário global para a inflação doméstica se dá por meio dos preços internacional de commodities - mas o quadro recente na verdade levanta alguma preocupação sobre a intensidade e persistência de um choque de inflação de alimentos. Outro mecanismo de transmissão se dá pela taxa de câmbio - mas há dúvidas sobre até onde o câmbio pode andar, e sobre qual o seu impacto na inflação local, dado o quadro de relativamente pouca folga na utilização dos fatores de produção domésticos. Em resumo, o quadro global parece favorável a economias emergentes como o Brasil. Mas baixar a guarda seria um erro.