terça-feira, 12 de abril de 2011

Após "euforia", Brasil endurece relação com China, dizem analistas

João Fellet

Apesar das vendas recordes de produtos brasileiros para a China e das declarações em que enaltece sua “parceria estratégica” com o país asiático, o governo brasileiro tem nos últimos anos se posicionado de forma mais crítica em relação a políticas chinesas, afirmam analistas consultados pela BBC Brasil.

A nova postura, expressa em críticas recentes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à desvalorização do yuan (a moeda da China) e à atuação de empresas chinesas no exterior, reflete a insatisfação do governo com desequilíbrios no comércio com Pequim e a busca por firmar-se como um concorrente dos chineses em mercados estrangeiros.

Alexandre Ratsuo Uehara, doutor em ciências políticas e coordenador do curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco, diz que o governo começou a mudar o tom na relação com a China no segundo mandato de Lula.

Segundo ele, a mudança ocorreu porque o Brasil passou a se sentir prejudicado nas transações comerciais, já que a importação de produtos industrializados chineses cresceu mas o país continuou a vender sobretudo commodities para a China.

Ele também atribui a nova atitude à recusa chinesa em apoiar o pleito brasileiro por uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e a decisões políticas que desagradaram o Brasil – entre elas, a suspensão de importações de soja brasileira em 2004, ordenada dias antes de uma visita do presidente Lula a Pequim. À época, a China disse que a suspensão se deveu à contaminação do produto por fungicidas.

“Percebemos que o Brasil amadureceu um pouco na relação e vem a colocando num patamar mais consciente”, diz Uehara, para quem a postura atual contrasta com a “euforia” no início do governo Lula.

Economia de mercado

O professor afirma ainda que o Planalto se decepcionou com a não realização de promessas de investimento no Brasil feitas pela China e cita como último indicador da nova posição a declaração do ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, de que a concessão do status de economia de mercado à China não seria discutido na viagem da presidente Dilma Rousseff ao país, neste mês.

Antiga demanda de Pequim, o reconhecimento dificultaria a imposição, pelo Brasil, de medidas antidumping contra produtos chineses – previstas quando os bens importados são vendidos a preço abaixo do custo ou do preço no mercado de origem.

Nos últimos meses, porém, segundo jornais brasileiros, Dilma indicou que pretende agilizar a concessão de medidas antidumping, conceder salvaguardas a setores sob risco e impor barreiras técnicas à entrada de produtos chineses.

Para Sérgio Amaral, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, “até algum tempo, havia receio de ministérios e do Itamaraty de que essas medidas pudessem ferir susceptibilidades e deteriorar relações com os chineses, mas isso já não se justifica”.

Amaral, que é diplomata e foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no governo FHC, diz que é “natural e necessário que governo se posicione diante dessas questões e inicie processo de negociação” que leve em conta as restrições impostas pelos chineses à importação de bens industrializados brasileiros.

Segundo ele, ainda que a China tenha um poder de barganha maior na negociação, o Brasil deve se valer de sua importância para o setor siderúrgico chinês – dado que é seu maior vendedor de minério de ferro – e de sua abundância de alimentos, setor em que os chineses não são autossuficientes.

‘Encapsular divergências’

Já para Luís Antonio Paulino, professor de relações internacionais da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e diretor do Insituto Confúcio (órgão presente em vários países e ligado ao governo chinês que visa divulgar a cultura e a língua do país), o governo brasileiro deve agir para “encapsular divergências” que possam surgir a partir de disputas comerciais entre as nações.

“Quanto mais se intensifica a relação, mais há possibilidade de abrir contenciosos. Mas eles não podem contaminar as relações entre os governos, que devem tratar de interesses maiores”, diz.

Paulino afirma ainda que, embora possa haver “pequenos ajustes em relação a questões específicas”, a relação entre os dois países deve evoluir.

“Nas relações entre nações, não existe amizade, existem interesses. E há interesses de ambos os lados que justificam uma maior aproximação”, diz, citando a importância das commodities brasileiras para a China e o desejo brasileiro de receber investimentos chineses.

Competição

Ainda que interesses brasileiros e chineses ensejem uma evolução no comércio bilateral, os dois países tendem a se posicionar em campos opostos na disputa por outros mercados.

No ano passado, durante visita à Tanzânia, Lula criticou práticas de empresas chinesas na África.

“Nada contra os meus amigos chineses. (...) Mas a verdade é que, às vezes, eles ganham uma mina e trazem todos os chineses para trabalhar naquela mina. E ficam sem gerar oportunidade de trabalho para os trabalhadores do país”, disse ele.

Segundo Alexandre Ratsuo Uehara, a fala do ex-presidente indica “mais do que uma ambição de competir com a China, mas uma necessidade”.

Ele diz que o Brasil está perdendo mercados estrangeiros para a China tanto em produtos como em serviços (como o de empreiteiras ou mineradoras) e que tem sua hegemonia econômica ameaçada na própria vizinhança.

“Com os crescentes investimentos chineses em países latino-americanos, o Brasil deve perder ainda mais espaço”, afirma.