sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Crise global e as commodities

Por Caio Megale e Giovanna Siniscalchi

Em uma de suas frases mais famosas, o mega investidor Warren Buffett lembra: apenas quando a maré baixa que sabemos quem está nadando pelado. No caso da América Latina, a "maré" é dada pelos preços internacionais de recursos naturais (as chamadas commodities). Enquanto eles permanecerem elevados, os possíveis problemas estruturais e de gestão macroeconômica da região poderão ser, em boa parte, compensados por um fluxo importante de receitas tributárias e de exportações.

De fato, a região cresceu mais quando os preços das commodities entraram em trajetória de alta, a partir de 2001 (impulsionados, em parte, pela entrada da China na OMC), complementando o efeito das importantes reformas estruturais dos anos 90.

A desaceleração atual não deveria ter grande impacto nos preços pois está concentrada nos países desenvolvidos, que não impulsionam a demanda dos produtos primários como os emergentes. Portanto, o cenário é favorável à América Latina

A exposição dos países do continente é bastante diversificada entre os diversos tipos de recursos naturais. O Brasil é o maior exportador de café e açúcar e segundo maior de minério de ferro e soja. O Chile possui cerca de 40% do mercado internacional de cobre, seguido pelo Peru com 10% - que tem ainda participações relevantes na produção de ouro (6,4%), prata (15,8%) e zinco (9%). Argentina, exportadora de grãos. México e Venezuela são concentrados em petróleo, enquanto a Bolívia em gás natural. A evolução dos preços das commodities é, portanto, crucial para a perspectiva econômica latino-americana.

Neste sentido, o agravamento do cenário internacional preocupa, pois a demanda por commodities tende a ser bastante correlacionada com o crescimento global. A crise europeia atingiu patamares mais preocupantes com a disparada dos juros da dívida externa de Itália e Espanha - países grandes demais para serem salvos. Dúvidas pairam também sobre Bélgica, França e até Alemanha. A Europa já está em recessão, e as projeções de crescimento do PIB mundial vêm sendo revistas para baixo. A equipe econômica do Itaú Unibanco, por exemplo, espera apenas 2,7% para 2012. Em tempos normais, este ritmo supera 4% ao ano.

Isto significa que as commodities continuarão a tendência de queda que iniciaram no fim de 2011? Não necessariamente. Do ponto de vista macroeconômico, a desaceleração atual não deveria ter um impacto elevado no preço das commodities pois é concentrada nos países desenvolvidos, e a demanda por commodities têm sido impulsionada pelos países emergentes, com destaque para a China. Neste sentido, o maior risco para estes preços seria uma parada abrupta do crescimento chinês, que por enquanto não faz parte do cenário.

Olhando para os balanços individuais das commodities, os motivos para a sustentação de preços são diversos. O elevado crescimento da demanda por este tipo de produtos ao longo da última década obrigou a oferta a se ajustar de forma forçada, com alguns casos significando redução de estoques e déficits entre consumo e produção. O caso mais clássico é o do cobre, que vêm sofrendo com a baixa qualidade do minério, altos custos de produção devido à falta de mão de obra qualificada e a necessidade de explorações cada vez mais profundas. Enquanto a oferta cresce a taxas modestas, a demanda tende a crescer a ritmos muito mais fortes. Do lado da energia, os preços do petróleo seguem pressionados, não apenas pelo balanço restrito entre oferta e demanda, como pela questão geopolítica, com o Irã como constante ameaça no Oriente Médio.

Nos mercados agrícolas, especialmente de alimentos, a demografia tem papel de grande relevância para a demanda, que possui como crescimento mínimo a taxa de elevação da população mundial. A produção, porém, é limitada pelo estoque de terras disponíveis, recursos hídricos e tecnologia atuais. Desta forma os preços não podem cair muito, pois é necessário incentivar a produção futura.

Apesar dos preços das commodities ficarem bastante sensíveis ao movimento de aversão ao risco nos mercados internacionais, acreditamos que eles devem ficar sustentados próximos aos níveis atuais pelo fato de o balanço entre a oferta e demanda ser apertado e também pela perspectiva de desaceleração apenas marginal das economias emergentes. Quando as incertezas com relação à Europa diminuírem e o mundo voltar a crescer mais forte a partir de meados de 2012, a tendência dos preços deve voltar a ser de alta. Desta forma os países da América Latina podem continuar a aproveitar este banho nudista.

Cabe, no entanto, um alerta. Apesar dos esforços dos líderes políticos europeus, a crise do endividamento não é fácil de ser equacionada. Um desfecho desordenado, que empurre mais países para a reestruturação forçada de suas dívidas pode ocorrer, embora não seja o mais provável. Nestas circunstâncias, o sistema financeiro global seria afetado, produzindo um estrangulamento dos fluxos internacionais de crédito semelhante ao de 2008/2009. Segundo as simulações do Itaú, o PIB mundial poderia experimentar uma contração de 2% em 2012, provocando uma queda de cerca de 25% nos preços médio das commodities.

Neste cenário alternativo, os fundamentos latino-americanos seriam postos à prova. Todos os países da região sofreriam. Mas aqueles baseados em modelos populistas, que mantém o crescimento através de subsídios a aumentos salariais artificiais - financiados, em boa parte, pela receita de commodities - não se sustentariam. O impacto da crise seria bem mais agudo nesses casos.

Em suma, mesmo com o menor crescimento mundial em 2012, os fundamentos ainda apontam para preços de commodities elevados. O cenário para a América Latina portanto, continua favorável. Mas é preciso monitorar as dimensões da crise europeia. É possível, embora não provável, que a "hora da verdade" para a região chegue antes do esperado.

Caio Megale, mestre em economia pela PUC-RJ, é economista do Itaú-Unibanco.

Giovanna Siniscalchi é economista do Itaú-Unibanco.