terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Variações do Estado-capitalismo

Marcos Troyjo - Diretor do BricLab da Columbia University e professor do Ibmec

O principal ponto de discussão do Fórum Econômico de Davos foi o capitalismo de Estado. A tradicional revista The Economist trouxe o tema como atrativo de sua edição da semana passada e isto ajudou a sublinhar o interesse pela questão.

O fato é que tanto a própria noção de capitalismo como a ideia de capitalismo de Estado representam conceitos demasiado amplos. Comportam realidades tão diferentes como China ou Cingapura, Brasil ou Rússia.

É bom lembrar que diferentes países implementam sua interpretação de capitalismo de Estado sobre as bases de ordens políticas diversas. O Brasil de hoje conta com pujante sociedade civil, imprensa vigilante e livre, pleno direito à crítica e sufrágio universal.

Na China, o capitalismo de Estado se dá sobre estruturas de imobilismo e (forçada) coesão. O projeto nacional chinês de poder, prosperidade e prestígio é mais importante do que a livre movimentação e expressão política dos atores sociais.

É possível, sim, vislumbrar dois submodelos majoritários de aplicação de ferramentas estado-capitalistas, sobretudo em termos de estratégia econômica. Os dois países que oferecem os elementos mais facilmente identificáveis são justamente a China e o Brasil.

O capitalismo de Estado chinês foi marcado por baixa remuneração dos fatores de produção, acesso favorecido aos principais mercados compradores do mundo, grande capacidade de acúmulo de poupança e investimento nas mãos do Estado, parcerias público-privadas voltadas à infraestrutura e logística de comércio exterior, e uma combativa diplomacia empresarial.

O capitalismo de Estado no Brasil desenhado no período Lula-Dilma é marcado pelo bom-mocismo conservador na gestão macroeconômica, elevadas barreiras tarifárias a importações, fortalecimento das megacorporações de economia mista que atuam em commodities agrícolas e minerais, política industrial defensiva e, por último, remuneração do capital financeiro (apesar da progressiva queda de juros) em níveis bem superiores às taxas praticadas ao redor do mundo - de modo a compensar os esquálidos níveis de poupança e investimento internos, ambos inferiores a 20% do PIB.

O modelo chinês e o brasileiro têm pontos de crescente aproximação. Isto é acentuado pela natureza da presente crise internacional, com arrefecimento relativo da economia dos EUA e da Europa, e os grandes níveis de reservas cambiais, hoje à ordem de US$ 4,5 trilhões acumulados pelos Brics.

Esta aproximação se dá sobretudo pela noção de local-contentismo, de que tratei na última coluna. A propósito, o principal estereótipo da competitividade chinesa - a baixa remuneração da mão de obra - já está caduco. Economias como o Vietnã ou mesmo países africanos já oferecem mais atrativos neste particular do que a China.

O que marca a China contemporânea é a turbinada capacidade de realizar compras governamentais ou celebrar contratos internacionais exigindo, como contrapartida do parceiro estrangeiro, a instalação de unidades produtivas em território chinês.

Neste sentido, é grande a coincidência com o modelo brasileiro de local-contentismo, que concentra o poder do Estado, suas autarquias e das grandes empresas de economia mista e em favor da atração de investimentos estrangeiros diretos.