segunda-feira, 11 de junho de 2012

Um país onde a inovação é quase uma ‘religião’

Gastos do governo com pesquisa e desenvolvimento da Coreia do Sul são de 3,36% do PIB, contra 1,08% do Brasil
 
Por Marcio Beck, O Globo
 
A Coreia do Sul investe mais do que o triplo do Brasil em pesquisa e desenvolvimento (R&D, na sigla em inglês) em proporção do PIB: o total chega a 3,36%, contra 1,08%, segundo os dados mais recentes do Banco Mundial. Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia e professor do Ibmec, diz que, além de igualar esse investimento, o governo brasileiro precisa cobrar participação do setor privado.
 
— Não existe uma receita, as realidades dos dois países são muito diferentes, mas o desenvolvimento, na Coreia, é quase uma religião civil. É um país que se sacrifica com esse objetivo. O Brasil está há 30 anos investindo em torno de 1% do PIB em R&D. Não vamos ter saltos importantes gastando apenas isso.
 
Atualmente, a indústria contribui com cerca de 15% do total investido neste setor, ainda de acordo com Troyjo, quando esse percentual precisaria ser pelo menos 50%. Ele lembra ainda que os tributos no Brasil chegam a 38% do PIB (que é o dobro do sul-coreano), enquanto no país asiático a carga é de 26% .
 
O descolamento entre a atividade de pesquisa nas universidades brasileiras e a indústria também é apontado pelos especialistas — que divergem apenas quanto aos motivos — como uma diferença significativa em relação à Coreia do Sul. Para Troyjo, os acadêmicos brasileiros têm "um certo puritanismo" quanto a pesquisas voltadas para o mercado.
 
 Sul-coreanos têm mais anos de estudo
Com setor privado, educação vai a 8% do PIB. No Brasil, mais recursos públicos
 
Com pouco mais de metade do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, a Coreia do Sul tem metade da taxa de desemprego, o dobro do número de estudantes de nível superior em relação à população e está 69 posições acima no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Organização das Nações Unidas (ONU). O que separa o Brasil do salto de desenvolvimento dado pelo país asiático nos últimos anos, para especialistas, é uma equação com vários fatores, sendo o principal a educação - verdadeira obsessão nacional.
 
A importância dada pelos sul-coreanos ao tema se reflete nos dados da Unesco. A vida escolar na Coreia do Sul é de 17,2 anos, em média, contra 14,2 no Brasil e o índice de alfabetização, de 100%, contra 90% do Brasil. O número de universitários do país asiático, em taxas proporcionais em relação à população, é mais do que o dobro dos registrados no Brasil: 6.784 (por 100 mil habitantes) contra 3.158.
 
Na educação, os investimentos públicos do Brasil são até maiores - 5,4% contra 4,8% -, mas são mal-alocados e, segundo o diretor do BricLab da Universidade de Columbia, Marcos Troyjo, os gastos das famílias e das empresas elevam o total sul-coreano a cerca de 8% do PIB.
 
Alvo são as exportações sofisticadas
Sul-coreanos exportam mais do que o dobro de produtos tecnológicos
 
Os aumentos nos custos da mão de obra no Japão, na década de 1960, diz Marcos Troyjo, do Ibmec, empurraram muitos empreendimentos para os países que mais tarde formariam o bloco conhecido como tigres asiáticos. Segundo ele, esse processo tornou a indústria sul-coreana especialista em "adaptação criativa". Com isso, os sul-coreanos têm um percentual de 29% de produtos de alta tecnologia (indústria aeroespacial, computadores, farmacêuticos, instrumentos científicos e maquinário elétrico) nas suas exportações, contra só 11% dos brasileiros.
 
- Essencialmente, eles começaram fazendo versões mais baratas e muitas vezes mais eficientes de tecnologias existentes, e alcançaram a excelência na exportação de produtos manufaturados. São os maiores exportadores de bens de capital para a China. Uma tonelada de produtos exportados do Brasil para a China tem custo de aproximadamente US$ 60. Já uma tonelada de produtos da Coreia para a China custa US$ 2 mil. Enquanto isso, o Brasil continua com saudade do século XIX, quando era possível ter desenvolvimento sustentado apenas por commodities - explica o especialista.
 
Lembrando a participação expressiva dos chaebol (grandes conglomerados) na economia sul-coreana, Troyjo comenta:
 
- A presença dos conglomerados multissetoriais é uma das principais características da economia sul-coreana. É outra coisa que eles aprenderam com os japoneses. Qual é o core business (principal ramo) da Samsung? Ela tem 86 áreas de negócios. A Hyundai tem supermercados espalhados pelo país, onde você pode entrar e comprar um frango Hyundai, enquanto aqui nós só os conhecemos como fabricantes de carros.