quinta-feira, 21 de março de 2013

Um diagnóstico do Brasil: como atingir o pleno desenvolvimento?

Economia do país se solidificou nos últimos dez anos; país não poderia entrar em crise "nem se quisesse", garante Henrique Meirelles

Por Eber Freitas, Administradores.com
 
O que o Brasil precisa para destravar o seu crescimento econômico? Essa pergunta foi o tema da palestra do executivo financeiro, e ex-presidente do Banco Central no governo Lula, Henrique Meirelles, durante o 17° Forum SAP Brasil. Para Meirelles, que é mestre em Administração de Empresas, o problema não reside essencialmente nos números, mas no diagnóstico correto que deve ser feito.

"Muitas vezes se negligencia o diagnóstico", afirmou Meirelles. "Para isso nós precisamos recuperar um pouco da História recente do Brasil, e uma das características da História é que ela depende da visão de cada um e é reescrita constantemente", disse. Mas, apesar de existir um panorama histórico, atualmente o Brasil tem perfeitas condições para olhar adiante e buscar o crescimento sem culpar o passado.

Como chegamos aqui

Após a independência, o Brasil fez as suas primeiras dívidas internacionais, junto a bancos da Inglaterra. Além disso, assumiu uma boa parte da dívida de Portugal como parte do "contrato" de independência. "Só que o brasil não tinha exportações suficientes nem uma moeda forte para honrar essa dívida. Era tão inevitável quanto o dia e a noite que o Brasil ia ficar inadimplente. E isso virou um problema crônico", conta Meirelles.

Mas o boom do endividamento viria no século 20. No período, o Brasil teve um significativo aumento na produtividade, sobretudo pela imigração de trabalhadores estrangeiros que teve início no final do século 19. Mão de obra farta, qualificada e com um custo baixo. Aos poucos, esses trabalhadores deixaram as áreas agrícolas para se aglomerarem nas cidades. O crescimento foi, primeiramente, baseado na demografia. Mas, segundo relata Meirelles, "esse processo começou a se esgotar na década de 50. O primeiro problema sério de inflação foi nessa época, quando o governo tentou compensar imprimindo dinheiro", diz.

Na década de 70, o Brasil tentou retomar os altos índices de crescimento da primeira metade do século. Mas foi uma tentativa desastrosa para as gerações futuras: isso porque o crescimento foi financiado por empréstimos externos - ou seja, apesar do crescimento econômico da ordem de 10% ao ano, a dívida também se multiplicava. E um dia a bomba estourou: "no começo da década de 80, os Estados Unidos apertaram a política fiscal e aí o Brasil entrou em quase duas décadas de crise", explica. 

Com a desvalorização cambial, as empresas não tinham como pagar suas dívidas em dólar, então o governo assumiu os custos, mas adquiriu um problema fiscal, que tentou resolver com políticas monetárias, o que gerou hiperinflação. Segundo Meirelles, "nós tínhamos um problema histórico, e passamos a ter três: a dívida externa, um problema fiscal e um problema inflacionário".

O quadro começou a melhorar a partir de 1994, com o Plano Real. Em 1999, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que evitou que governos tomassem empréstimos vultosos a perder de vista, deixando a dívida para as próximas gerações. A partir de 2003, a dívida começou a ser mitigada, e as reservas internacionais multiplicadas, tudo por conta do ajuste fiscal, "o que é mais importante do que parece", diz Meirelles.

"O Brasil chegou a ter 16 bilhões de dólares de reserva e devia 30 bilhões ao FMI no curto prazo. Hoje o Brasil tem quase 400 bilhões de dólares de reserva, e desde 2008 é um credor líquido internacional, o que significa que o montante de reservas é maior do que a dívida externa total brasileira. Aqueles problemas são parte do passado", relata o executivo.

Portanto, apontar para o passado e reclamar das origens dos problemas econômicos brasileiros já não é desculpa para nada. O Brasil, longe de ser perfeito, atingiu um nível de maturidade econômica que já não permite abalos estruturais, a despeito do baixo crescimento do PIB no ano passado. "Temos boas reservas internacionais, a dívida pública está baixa, então o Brasil tem condições de ter essa tranquilidade, o que é muito importante. Não há como ter uma crise interna, mesmo que quisesse", garante.

O que falta

O desemprego está nos menores níveis históricos, entre 5% e 6%. A taxa de juro real, que era de 14%, chegou a um mínimo de 5,5% em 2010. São números que refletem um novo momento para o Brasil. "A dinâmica do país mudou muito, produto da estabilidade. O que nós enfrentamos agora é o custo da estabilidade, o preço do sucesso"

Na palestra, Henrique Meirelles apontou quatro fatores com os quais o Brasil deve se preocupar para atingir um nível pleno de crescimento.

1. Mão de obra qualificada

O desemprego caiu, o que é bom sinal. Mas a qualificação dos trabalhadores ainda deixa a desejar, sobretudo em segmentos específicos. De acordo com um estudo do IDC, na área de TI, o Brasil terá um déficit da ordem de 76 mil profissionais em 2013. Serão cerca de 276 mil postos de trabalho, e apenas 200 mil profissionais para preenchê-los. "Nós temos um desafio aqui, produto do crescimento rápido", afirma Meirelles.

2. Alto e crescente custo laboral

Trabalhadores no Brasil custam caro. O país ocupa a primeira colocação no mundo em termos de encargos trabalhistas. Segundo um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a partir de dados do Departamento de Estatística do Trabalho dos Estados Unidos, praticamente um terço (32,4%) dos custos com a mão de obra de uma empresa são formados por encargos trabalhistas. A média global é de 21,4%. Na Argentina, o percentual é de 17%. "Os custos do trabalho, descontado o aumento da produtividade, estão aumentando muito rápido quando comparados ao México e Estados Unidos", alerta Meirelles. 

3. Exportações de manufaturados 

O market share de produtos manufaturados brasileiros não anda às mil maravilhas. O Brasil teve participação de 1,6% nas exportações mundiais, um dos maiores níveis desde a década de 50. Mas esse número se deve apenas ao aumento dos preços dos produtos agrícolas e minerais (commodities), ou seja, um crescimento passivo. Entre 2005 e 2011, as exportações de manufaturados caíram de 0,85% para 0,73%. Se o país quiser sustentar o aumento nas exportações, deverá investir em produtos manufaturados, que têm maior valor agregado. 

4. Armadilha da renda média (middle income trap)

Para utilizar uma metáfora, é como o veneno de Circe: parece vinho, mas deixa a vítima completamente ociosa sem se dar conta. Na verdade, para sair de uma situação de crise, volatilidade e pobreza, foram necessárias ações governamentais diretas. Mas para aumentar a produtividade do país e alçá-lo a um nível global de competitividade, é preciso superar o conforto da renda média - armadilha perigosa e comum para os países emergentes - e estimular a inovação. Meirelles acredita que essa armadilha irá "apertar mais quando o país crescer mais um pouco". 

"Todas as reformas destinadas a aumentar a produtividade do Brasil são fundamentais, porque permite que o país eleve seu potencial de crescimento", expica. "O crescimento agora tem que vir através do capital privado".