terça-feira, 2 de julho de 2013

O eixo comum da revolta e o capitalismo brasileiro

Por Marcos Troyjo
Diretor do BRICLab da Columbia University e professor do Ibmec
Brasil Econômico - 02/07/2013

Talvez os milhões de brasileiros que saem às ruas não saibam, mas, em essência, seu grito é contra todas as ineficiências e deficiências do modelo brasileiro de Capitalismo de Estado. 

São vozes de diferentes origens e aspirações. Neosocialistas utópicos que demandam tudo gratuito. Microempresários sufocados pela burocracia e pela carga tributária de 36% do PIB. Famílias indignadas com as ínfimas contrapartidas aos altos impostos. Todos unidos contra a corrupção e a falta de transparência nos custos de organização da Copa do Mundo. Ainda que de forma indireta, o eixo comum de toda essa revolta é a crítica ao modus operandi do Capitalismo de Estado brasileiro.

É um modelo econômico que gera preços internos elevados graças à carga estratosférica de impostos -- deglutidos pela pesada conta de custeio do setor público. Disso resulta a baixa capacidade endógena de investimento. O Capitalismo de Estado brasileiro convida ao clientelismo e a toda sorte de informalidades. O problema é que, para alguns, a saída deve ser mais capitalismo. Para outros, uma presença ainda maior do Estado na vida socioeconômica. 

Nos últimos dois anos, o Brasil se afastou de consagrados pilares  macroeconômicos como câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação. Tal distanciamento, mais do que a perspectiva de mudança do panorama mundial de liquidez ou mesmo os protestos, tem alimentado o ceticismo quanto ao Brasil. E, em toda a era Lula-Dilma, não trabalhou para implementar reformas microeconômicas: fiscal, trabalhista e desburocratização. O Brasil não harmonizou suas condições internas para competir globalmente. 

Em termos de política industrial, o Brasil elevou o "conteúdo local" para o status sagrado do mantra. Ao contrário de gerar capacidade produtiva local, essa política industrial tem significado novas ilhas de reserva de mercado. E no comércio internacional, o País não priorizou a negociação do acesso aos grandes mercados compradores  da América do Norte, Europa e Ásia. O Brasil apostou na "desglobalização". O mundo, contudo, está se reconectando em novas correntes de comércio e investimento delineadas por geometrias a que o país não pertence. 

O Brasil perdeu muito tempo. Mas, com um pouco de sacrifício, especialmente no setor público, mais pragmatismo e menos ideologia, ainda há tempo para uma inflexão positiva. O potencial do país é imenso. Reformas estruturais, políticas públicas horizontais deveriam promover o redimensionamento do Estado para um papel menos onipresente e que atue mais como um farol. O mero anúncio de reconhecimento de erros e mudança de rumos na política econômica teriam impactos extremamente positivos na reversão das atuais expectativas que apontam mais problemas à frente para o Brasil.

Em termos de construção do futuro, a América Latina está se consolidando entre dois caminhos principais. Um, baseado numa inspiração mais  autárquica, é o que seguem Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina. O outro, mais vertebrado à economia global, é o que percorrem México, Colômbia, Peru e Chile. Neste sentido, o Brasil é o último indeciso da região. Mas o momento de tomar a decisão já está chegando. Não há mais tempo a perder.