terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Os Brics em 2015

Por Marcos Troyjo
Economista e cientista social, diretor do Briclab na Universidade Columbia e conselheiro do Instituto Millenium
 
 
Mostrar ao mundo seu potencial como propulsores do crescimento global – essa foi a essência dos "Brics 1.0". Trabalhar por uma ordem mundial multipolar, a criação de instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD, na sigla em inglês), eis a meta dos "Brics 2.0".
 
Em 2015, ambas as frentes estão em jogo. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul têm por desafio incrementar sua projeção geoeconômica e, ao mesmo tempo, avançar em seu processo de construção institucional.
 
Os Brics precisam relançar suas estratégias de crescimento, dando uma ênfase menor ao capitalismo de estado. Cabe mudar o DNA do modelo econômico das últimas décadas.
 
Na China, isso significou empresas exportadoras e uma obsessão na conquista de mercados externos. Na Rússia, a aposta numa economia em transição para setores intensivos em tecnologia. A Rússia tem os melhores padrões educacionais e o maior contingente de cientistas como percentual da população entre os Brics. Na Índia, a ênfase é a especialização naqueles setores em que os indianos dispõem de vantagens competitivas, como nas indústrias de TI, farmacêuticos e têxteis.
 
Já o modelo brasileiro está marcado pela presença maciça do governo na economia, numa reedição do padrão de substituição de importações. A economia do país é das mais fechadas do mundo.

Os Brics poderiam liderar o mundo com iniciativas de empreendedorismo mediante a criação de ambientes amigáveis aos negócios, regras do jogo bem estabelecidas e transparentes.
 
Se analisarmos os quatro países que perfazem o conceito original de Brics, veremos que a situação é paradoxal. A China é o mais fechado politicamente. Índia e Brasil são democracias, mas apresentam estruturas burocráticas asfixiantes, com classes políticas pouco funcionais. A Rússia parece intimidar o empreendedorismo pelas dificuldades na relação com autoridades governamentais, que mudam de humores na escolha de favoritos.
 
Essa renovação do DNA dos Brics é fundamental, pois hoje o significado de Brics muda em função do interlocutor. Estão se consolidando ao menos duas formas com que a comunidade internacional enxerga o grupo.

A primeira avalia o momento atual e perspectivas dos quatro gigantes (aqui sem África do Sul), como "mercados em crescimento". Segue a análise do Goldman Sachs na década passada, que acentuava fatores territoriais, populacionais e de peso relativo dessas economias em suas respectivas regiões para delinear a futurologia da economia global.
 
A segunda concentra-se no impacto da construção institucional dos Brics (aqui com África do Sul) nas relações internacionais dos próximos 25 anos. Tal enfoque mede o impacto da articulação dos Brics em organizações multilaterais existentes, no surgimento de novos instrumentos plurilaterais, novas alianças e polos de poder.
 
Há certo desapontamento com a primeira. Nenhum dos Brics ostenta expansão do Produto Interno Bruto tão estonteante como na década passada. Campeões nas modalidades de capitalismo de Estado que adotaram, hoje veem-se confrontados com a urgência de agenda reformadora que, em sua natureza, é essencialmente liberal. Menor intervenção governamental, burocracia reduzida, flexibilização do mercado de trabalho, descentralização administrativa.
 
Dos quatro Brics, apenas a China envereda-se mais celeremente rumo a reformas. Teme-se, no entanto, que mudanças vislumbradas por Xi Jinping tropecem na informalidade do setor financeiro, no estoque de dívidas ruins e no conservadorismo da elite privilegiada pelo boom dos últimos 20 anos. Índia e Brasil parecem estar na divisão de águas no que toca a reformas modernizantes e na definição de caminhos estratégicos. E a Rússia ainda contabiliza perdas e ganhos da aventura na Crimeia e no imprevisível desfecho da crise ucraniana.
 
Para os Brics, o importante é que pontos em que há coincidência, como o financiamento do desenvolvimento e instrumentos mais modernos de governança econômica global, se sobreponham às diferentes agendas políticas. Com isso, os pilares de uma ordem global multipolar estarão fortalecidos.