sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Plano Marshall chinês?

Os astutos chineses já encontraram fórmula para explicar como sua expansão representa oportunidades 


Por Marcos Troyjo



Quando o Muro de Berlim caiu, Brasil e China ocupavam fatias iguais do PIB global -- cada uma representava 3% da economia mundial.

Hoje, a participação brasileira permanece essencialmente a mesma, ao passo que a China já é responsável por quase 17% da riqueza global. 

A dramática ascensão chinesa é mais destoante quando comparada à imobilidade brasileira. Embora inerte, o Brasil de 2015 ainda é a segunda maior economia emergente.

Essa corrida chinesa rumo ao status de superpotência econômica se deveu sobretudo ao extraordinário sucesso na aplicação de uma estratégia de nação comerciante. 

Isso gerou perceptível desproporção da presença chinesa em diferentes âmbitos das relações econômicas internacionais. 

O gigantismo comercial da China, que há dois anos converteu-se na maior exportadora -- e importadora -- do mundo, não se fez acompanhar do papel do país como grande fonte de investimentos estrangeiros diretos. Isso, porém, está mudando.

Uma comparação entre os perfis dos membros do "G2" (EUA e China) do mundo contemporâneo ilustra o ponto. A corrente de comércio exterior anual da China hoje é de US$ 4 trilhões. A dos EUA é de US$ 3,9 trilhões. 

Já o estoque total de investimento no exterior demonstra grande disparidade. Na ponta receptora, a China ultrapassou os EUA em 2014 como principal destino mundial de investimento estrangeiro, (China US$ 127 bilhões, EUA US$ 86 bilhões). Na ponta emissora, a desproporção é brutal: EUA contabilizam US$ 6,5 trilhões e China menos de 10% disso, com US$ 614 bilhões. 

Ainda assim, a tendência é de maior convergência. Nos últimos 10 anos os EUA aumentaram seu estoque de investimentos não-financeiros no exterior em "apenas" 75%, enquanto a China os multiplicou 12 vezes.

Será então, como questiona o economista Peter Nolan, da Universidade de Cambridge, que a "China está comprando o mundo"? 

À semelhança do Japão nos 1980, a China realiza crescentes aquisições de empresas e propriedade imobiliária no exterior. Investe pesadamente em energia e, onde lhe permitem, em terra, subsolo, agricultura. E o faz globalmente. Se os investimentos chineses são particularmente visíveis na África, em volume os quatro principais destinos na última década são EUA, Austrália, Canadá e Brasil.

A China sabe que seu perfil cada vez mais alto como investidora no exterior gera agudas preocupações. Empresariado local teme competição e desindustrialização. Governos sensibilizam-se com eventual perda de soberania sobre recursos naturais. Trabalhadores ressentem-se do estilo supostamente abrasivo com que os chineses administram suas empresas.

Mas os astutos chineses já encontraram fórmula sútil de explicar como a expansão de seu papel investidor representa oportunidades para o mundo em desenvolvimento.

Classificam plataformas lideradas por Pequim como o Banco dos Brics, o Banco de Investimentos em Estrutura na Ásia ou o Fundo da Rota da Seda, juntamente com o investimento estatal e privado no exterior, como equivalentes a um "Plano Marshall chinês".