sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A tímida geopolítica das grandes potências

Cenário apresenta casos inflamáveis, mas confronto entre maiores atores não é um deles

Por
MARCOS TROYJO


2016 começa quente, não apenas no clima, mas em acontecimentos de elevado potencial desagregador.
Eles vão desde os desdobramentos da campanha eleitoral nos EUA, passam pelos nervos à flor da pele com o atrito Irã-Arábia Saudita e desembocam nas incertezas com que a China administra sua transição de modelo econômico.

Acrescentem-se o problema dos refugiados na Europa, a virulência do terrorismo do Estado Islâmico e da Al Qaeda e a imprevisibilidade das ações externas de Rússia e Turquia. Compõe-se daí quadro que se revela o mais perigoso desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Muitos desses desdobramentos escapam àquilo que tradicionalmente poderíamos chamar de "razão aplicada à geopolítica". A saber, uma forma de conduta internacional em que a relação custo-benefício, medida sobretudo em termos de ganhos político-econômicos conducentes a situações hegemônicas, é o principal parâmetro a orientar o comportamento das potências.

Nessa linha, a modalidade de jogo geopolítico que se seguiu à derrota das potências do Eixo, comparada a que temos hoje, mostrava-se bastante mais ambiciosa e calculista.

A Guerra Fria era simultaneamente global e "racional". Para além de medir-se em filiações territoriais e ideológicas, tinha como fontes de alimentação duas doutrinas "ocidentais" –os valores político-econômicos das democracias liberais contrapostos aos postulados marxistas da Cortina de Ferro– que perseguiam uma "vitória final".

Há quase nada de motivações "globais" ou "instrumentais" na ebulição entre sauditas e iranianos. Tampouco no apetite russo pela Crimeia e na porção mais oriental da Ucrânia.

E é assim também com o enorme ressentimento que China e Coreia do Sul continuam a alimentar em relação às sangrentas incursões do Japão expansionista do passado.

Mesmo na América Latina, o advento do bolivarianismo teve pouco a ver com a ascensão de um espaço de prosperidade compartilhado a partir da coincidência ideológica que há um tempo galvanizou Venezuela, Argentina, Equador, Cuba, Bolívia e o Brasil de Lula-Dilma.

Foi o positivo choque externo de demanda por commodities o viabilizador desse desdém que tais países da região dispensaram a políticas econômicas desideologizadas.

Essencial fazer tais constatações ante o inegável renascimento da geopolítica. Aliás, esse déficit de racionalidade econômica que alimenta muitas das mais acirradas tensões do mundo contemporâneo seria o principal símbolo de que, ao contrário do que parecia supor o pós-Guerra Fria, o mundo encontra-se mais instável –e imprevisível.

Assim, 2016 seria mais perigoso do que tanto 1945 (com a derrota do Eixo) como 1991 (com a extinção da URSS). A prestigiosa revista "The Atlantic" (http://www.theatlantic.com/politics/archive/2015/12/the-return-of-the-1920s/422163/)) recentemente compara os anos 2010 à década de 1920 –período em que se encarniçaram terríveis monstros geopolíticos.

Nesse tabuleiro, as grandes potências se valeriam dos cenários confusos para estabelecer novas formas globais de dominação e expandir a todo canto do mundo a projeção de sua influência.

NOVA GEOPOLÍTICA

A geopolítica que se descortina agora, no entanto, dá-se em marcado contraste com o caráter de "projeto global" ou "jogo de soma zero" de períodos anteriores da história mundial.

É como se, ante a aguda periculosidade do cenário mundial, as grandes potências estivessem se resguardando de formas mais intervencionistas de política exterior. A geopolítica dos principais jogadores está sob efeito de moderadores de apetite.

Os EUA não necessariamente colocam renovadas fichas no sistema de instituições multilaterais que ajudaram a criar. FMI, Banco Mundial, ONU etc. não estão por merecer um "retrofit" de Washington.

Estão igualmente menos dispostos a comprometer capital político-militar no Oriente Médio. Comprazem-se em seu aparato tecnológico de inteligência e vislumbram nos mega-acordos comerciais no Atlântico e no Pacífico talvez seu principal projeto geoeconômico –mas nada de construir um mundo à sua semelhança.

A Europa pratica uma geopolítica "defensiva" buscando deter e filtrar fontes de problemas oriundos sobretudo da onda de refugiados e de células terroristas incrustadas em seus grandes centros urbanos.

E pensar numa geopolítica europeia mais ativa na África e no Oriente Médio é exagerar o potencial cooperativo da comunidade, que tem na Alemanha seu epicentro, mas não sua liderança.

A China almeja claro reconhecimento da proeminência que exerce em seu entorno geográfico. Busca criar agenda positiva na Eurásia e no Pacífico com projetos de infraestrutura financiados pelo novo complexo de instituições gestadas em Pequim, mas pouco de ambiciosamente global.

O tabuleiro global comporta menos pontos de atrito entre projetos hegemônicos das grandes potências e mais a coexistência de diferentes esferas de influência.

Em seu conjunto, o atual terreno geopolítico apresenta inúmeros cenários inflamáveis, mas o confronto entre os principais atores não é um deles.