SÃO PAULO, 21 de dezembro (Reuters) - A eventual compra da companhia
norte-americana Sara Lee pela brasileira JBS seria certamente o maior
desafio que a família Batista, que controla um conglomerado de
empresas, já enfrentou na vertiginosa jornada para o topo entre os
maiores grupos em proteína animal no mundo.
De um açougue em Goiás para um grupo empresarial que atua em cinco
continentes e que deverá faturar 33 bilhões de dólares em 2010, a
família Batista protagonizou lances inesperados e ousados nessa
trajetória, como a compra da Swift e da Pilgrim's Pride, nos EUA, ou a
do Bertin, no Brasil.
Mas a eventual aquisição da Sara Lee SLE.N seria um lance ainda mais
surpreendente. Tanto pelo tamanho, já que a companhia norte-americana
tem um valor de mercado superior ao da própria JBS JBSS3.SA , quanto
pela complexidade, devido a áreas como café e chá --coisa que parece
ser de outro mundo para uma companhia que lida com carnes.
Algumas das primeiras reações de analistas no mercado financeiro sobre
a possibilidade de a JBS comprar a Sara Lee, que possui algumas das
marcas mais conhecidas do varejo norte-americano, foram no sentido de
que seria pouco provável. Mas já há opiniões divergentes.
"Vindo do JBS não me surpreende", diz o analista da consultoria MB
Agro, Cesar Castro Alves, quando questionado sobre a possibilidade de
o negócio ser concretizado.
"Não me surpreenderia de maneira alguma, porque os caras são bastante
capitalizados e bastante aventureiros", acrescenta Alves, referindo-se
aos três filhos de José Batista Sobrinho, que atualmente tocam o grupo
iniciado pelo pai há mais de 50 anos.
Joesley Batista é o presidente executivo da JBS SA, o grupo que
controla a operação global a partir de São Paulo. O irmão Wesley
Batista é o presidente dos conselhos de administração da JBS USA e da
Pilgrim's Pride, o braço avícola nos EUA. José Batista Júnior é membro
do conselho da JBS SA, da qual também já foi presidente.
Foram os três, ainda que com alguns conselhos do pai --que ainda
visita as propriedades e se faz presente nas reuniões do conselho da
JBS SA-- que transformaram a companhia.
Salto iniciado em 2005, com a aquisição da Swift Argentina, que marcou
o início da internacionalização da empresa. Poucos meses depois, o
grande passo nos EUA com a compra da Swift norte-americana.
Em 2007, a JBS se tornou a primeira companhia de carne bovina do
Brasil a ter ações negociadas em bolsa, com o IPO na Bovespa. Outras
aquisições seguiram-se na Europa (metade da Inalca), Austrália
(Tasman), EUA (Smithfield e Pilgrim's Pride) e Brasil (Bertin), entre
outros negócios.
Os Batista contaram com um grande apoio do BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social), que financiou parte importante
dessas aquisições. Mas Joesley se defende de acusações de
favorecimento governamental em seu estilo direto e sem frescuras.
"Isso é o maior absurdo", afirmou durante uma coletiva em agosto,
quando questionado sobre o relacionamento com o banco estatal.
"Preciso reiterar que o BNDES nunca me favoreceu em p... nenhuma, é o
maior aburdo dizer que nos escolheu. Quem comprou a Swift fomos nós,
quem comprou a Pilgrim's fomos nós, então ele tem que financiar a
gente, não os outros".
Segundo o banco Credit Suisse, o BNDES é o detentor atualmente de 17
por cento do total de dívida emitido pela JBS e possui 20 por cento
das ações do grupo, incluindo uma parte em debêntures conversíveis ao
final de 2011.
A eventual participação do BNDES novamente, caso Sara Lee e JBS
cheguem a algum acordo, é uma incógnita no mercado.
JBS e Sara Lee se negam a comentar o assunto.
ELEVAR MARGENS DE LUCRO
Apesar de ter afirmado no mês passado, em uma reunião com analistas e
investidores em São Paulo, que continuava "com o firme propósito de
desalavancar a empresa", Joesley e outros gestores do grupo já deram
vários indícios de que, após garantir o topo no processamento de
carne, buscariam elevar margens de lucro.
Isso ocorreria tanto na aposta em marcas como em um grande sistema de
distribuição e comercialização.
"A gente quer passar de 50 por cento em distribuição direta e não
tenho dúvidas de que quando atingirmos isso a empresa toda estará
operando com margem acima de dois dígitos", afirmou Joesley na
ocasião.
"Queremos agregar mais valor por meio das marcas que são bastante
conhecidas", acrescentou o diretor de Relações com Investidores, Jerry
O'Callaghan.
O consultor Osler Desouzart, ex-executivo de Perdigão, Sadia e Doux
Frangosul, que hoje assessora companhias no Brasil e no exterior, vê a
eventual aliança de forma bastante positiva.
Para ele, como a atividade de proteína animal é extremamente
concentrada em poucos países, os grandes no setor precisam ter
capacidade de presença local nessas nações, capacidade de
transformação, distribuição e de colocação mercadológica.
"E isso você só faz através de empresas fortes localmente, de marcas
locais muito conhecidas... A Sara Lee é uma coleção de brands, é um
mundo", diz.
"Não há dinheiro em produzir carne, agora há dinheiro em fazer
marketing de carne, há dinheiro em distribuição de carne e muito
dinheiro sobretudo em logística de carne... Não só a marca, mas a sua
capacidade de comercialização", acrescenta.
O analista Cauê Pinheiro, da SLW Corretora, diz que os Batista estão
atrás "de marcas, novos clientes, novos produtos, produtos
complementares e regiões complementares".
"As sinergias são grandes", afirma, sem se esquecer, no entanto, do
eventual impacto para as ações da companhia, que não apresentam uma
performance muito brilhante ultimamente.
No acumulado de 2010, as ações do JBS registram queda de cerca de 25
por cento, para 6,91 reais, enquanto o Ibovespa tem uma baixa no mesmo
período de aproximadamente 2 por cento. Na segunda-feira, as ações do
JBS fecharam em queda de 1 por cento.
"Seria uma aquisição talvez boa para o JBS, mas não para os acionistas
minoritários."
Joesley Batista deu sua versão, na reunião de novembro, sobre o
desempenho dos papéis da empresa.
"Acho que a gente paga pelo novo, por sermos uma empresa muito nova,
muito dinâmica. As coisas que fazemos não são óbvias", afirmou.
(Com reportagem adicional de Inaê Riveras e Guillermo Parra-Bernal)