segunda-feira, 17 de março de 2008

Ganha-pão ao sabor do sobe-e-desce da Bolsa

Ações crescem como alternativa de renda mensal para pessoas físicas, mas riscos são altos, diz especialista

Por Felipe Frisch

Os últimos cinco anos de ganhos acumulados no mercado de ações acabaram criando no país uma geração de investidores profissionais. São pessoas que largaram suas profissões originais, foram estudar o mercado e passaram a tirar sua renda mensal das negociações diárias na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), via home broker, sistema que permite envio de ordens de compra e venda de papéis pela internet.

Um indicador do apetite é o número de investidores pessoas físicas que compraram ou venderam ações pela rede por mês: em janeiro de 2007, eram 88.343, enquanto em janeiro deste ano foram 217.881 e em fevereiro, 198.452.

Apesar do estresse das oscilações, há quem escolha viver da Bolsa pela possibilidade de poder trabalhar de qualquer lugar, desde que com conexão em banda larga e, se possível, sem fio. É o caso de Marcelo Antonio Pedrina, de 35 anos, formado em publicidade. Ele conta que, aos 24 anos, abriu uma escola de idiomas e informática na sua cidade, Salto (SP). No sexto ano, tinha 30 funcionários, 700 alunos e já estava abrindo franquias.

— Eu ganhava dinheiro e tinha perspectivas de crescer.

Mas estava superestressado e frustrado emocionalmente, pois não sentia prazer no que eu fazia — conta ele, de Arraial d'Ajuda.

Investidor tem como meta ganho de 0,5% ao dia Desde 2005, após fazer um curso de análise gráfica e estudar o mercado, ele tem tirado o sustento da Bolsa e diz que passa a maior parte do ano viajando pelo país.

— Tenho ganhado 60% do que ganhava com a escola, mas sou mais feliz e realizado, com uma renda média mensal de 3% do meu patrimônio — diz ele.

Já Ricardo Coelho, de 30 anos, é formado em Ciências da computação e trabalhou numa empresa em sua área de 1999 a 2005, quando começou a ter contato com colegas que investiam em ações. Também fez cursos, começou a ler e a investir.

Com os resultados, pediu demissão para se dedicar apenas às aplicações financeiras, começando pelo dinheiro da rescisão trabalhista.

Como muitos investidores que fazem day trade (compra e venda de um papel no mesmo dia), ele dá preferência para o mercado de opções — contratos de pequeno valor que garantem a compra ou a venda de uma ação a um determinado preço até uma data. Estes permitem ganhos percentuais (e também perdas) maiores.

— Em meses bons, eu consigo tirar de R$ 5 mil a R$ 8 mil.

Saco e jogo para a conta corrente, como se fosse mesmo um salário — diz o investidor.

O professor e consultor de investimentos Edgar Serra vê com preocupação a popularização deste tipo de escolha como meio de vida: — O mercado vem subindo há quase seis anos. O normal são movimentos de alta de um a três anos intercalados com baixas.

Às vezes, a Bolsa pode ser uma alternativa em momentos difíceis. O administrador de empresas curitibano Luiz Fernando de Paula, de 48 anos, durante 20 foi gerente de bancos de alta renda. Após um ano fora do país, entre 2002 e 2003, na volta teve dificuldades para se recolocar e escolheu a Bolsa como fonte de renda. Ele tem como meta uma rentabilidade de 0,5% ao dia. E, quando atinge, sai do mercado.

Luiz reconhece os riscos, e tem reduzido sua renda proveniente da aplicação a 50%, dado o estresse da atividade. O restante vem de consultorias.

— Não adianta ser um excelente técnico se você não tiver domínio sobre a sua mente, que é o que te faz ganhar ou perder dinheiro — teoriza o administrador, que conhece histórias de sucesso e de derrotas e diz que, na prática, a maioria dos investidores não obedece à máxima de "comprar na baixa e vender na alta".

O engenheiro de telecomunicações Allan Arantes, 29 anos, foi outro que largou o emprego em uma empresa de telefonia fixa, em 2002, para se dedicar exclusivamente a suas aplicações — que começaram pelas ações da própria empresa em que trabalhava — especialmente ao perceber que gostava de correr riscos para poder ter ganhos maiores. Ele aprendeu muito pela internet e criou o fórum de discussões virtual Investidor Agressivo.

— As pessoas imaginam que quem vive disso tem uma vida maravilhosa. Não é bem assim, porque não se pode contar com o mês seguinte. Você tem que renunciar a um monte de coisas que o emprego fixo dá — diz.