terça-feira, 12 de agosto de 2008

Rodada de Doha - a força dos emergentes?

Por: Adriana C. P. Vieira

Recentemente os noticiários destacaram o fracasso da Rodada de Doha. Os mais pessimistas enxergam um quadro tenebroso visualizando o regresso do protecionismo e a volta dos blocos comerciais. Segundo os jornais espanhóis, o fracasso nas negociações é um péssimo sinal para um momento com tantas incertezas econômicas. E quando sopram os ventos liberais, até os mais doutrinários se convertem em partidários para salvar o que é de cada um, mediante intervencionismo governamental.

Os noticiários espanhóis apontam a culpa ao presidente dos Estados Unidos, por impedir o sucesso da Rodada, o qual impõe regras em nome do unilateralismo norte-americano e de seus direitos como superpotência. Esse é o grande temor entre muitos países: que os EUA cada vez mais ignorem as regras multilaterais. Basta ver sua demora em adotar decisões da OMC (Organização Mundial do Comércio), inclusive no caso do algodão. O Brasil ganhou a disputa contra os subsídios americanos, mas até hoje Washington não acatou inteiramente a decisão dos juízes - e o Brasil espera que os árbitros da OMC estabeleçam o montante da retaliação que poderá aplicar contra bens americanos.

Mas também apontam a culpa às potencias emergentes, China e Índia, que querem também seguir os mesmos passos do EUA, sobre todo o comércio e o meio ambiente, após insistirem em ter o direito de voltar a impor tarifas - ou aumentá-las - se houver um salto nas importações de alimentos. A Índia queria mais espaço para usar a proteção para agricultores pobres em caso de súbito aumento de importação ou queda de preços.

Em termos de impacto no crescimento econômico, as questões em debate na Rodada foram relativamente pequenas, se comparadas ao debate sobre aquecimento global. A limitação do aumento dos gases de efeito estufa pode afetar o crescimento ao forçar a indústria a reequipar fábricas e aos consumidores a modificar seus estilos de vida. Esse sacrifício pode gerar uma reação ainda mais hostil de Nova Déli e Pequim.

Sob as regras da OMC, todos os 153 membros têm de chegar a um acordo. Na prática, só os participantes economicamente importantes realmente têm voz.

Mas, quando não se chega a um consenso na Rodada, coloca-se em questão alguns dos pontos fundamentais sobre o sistema global de comércio. Estamos ante a uma nova luta de classes, porém não como a descrita por Marx e Engels, entre proletários versus burgueses. Agora é a luta entre as classes médias dos países em forte desenvolvimento (BRIC), responsáveis por 60% do crescimento mundial, e as classes médias dos países desenvolvidos (EUA e UE). Mas no frigir dos ovos, quem tem mais a perder são os países pobres, que não têm um Estado forte para os defenderem, que se vêem envolvidos pelo ímpeto dos países que estão crescendo (chineses e indianos) e o medo dos que estão caindo (europeus e americanos).

Este é um momento crucial de transferência de recursos dos países desenvolvidos para os novos ricos. É o aumento da capacidade aquisitiva das pessoas de classe média dos países emergentes que irão consumir cada vez mais, enquanto que as classes médias dos países desenvolvidos terão que se acomodar à nova situação do mercado.

Esta luta de classes não levará a nenhuma revolução, porém poderá produzir tensões gerando alguma situação de conflito. No entanto, o Brasil seria um dos principais ganhadores do processo. A inclusão de novas regras para a agricultura seria um ganho real para a economia brasileira. Mas também há o risco de que uma abertura exagerada nas áreas industrial e de serviços não seja efetivamente compensada por ganhos em agricultura. Os nossos mercados industriais e de serviços, nos quais o Brasil tem interesses defensivos, poderiam ficar excessivamente expostos à competição estrangeira. Na agricultura, em que os interesses são ofensivos, as concessões feitas por europeus e americanos seriam provavelmente modestas.

Portanto, desde a primeira versão da Rodada de Doha em 2001, que teve por objetivo avançar na abertura comercial através do GATT - por um sistema de redução das tarifas alfandegárias, promovidos após a 2ª Guerra Mundial, substituído pela OMC em 1995 - a situação desde então não mudou. Os países em via de desenvolvimento se chocam constantemente com as políticas de subsídios para a produção e exportações agrícolas dos EUA, União Européia e Japão.

Os países ricos se defendem com diversos argumentos: primeiro, que o campo não é somente um setor produtivo, mas também cultural. Segundo, que a eliminação dos subsídios não ajuda os países mais pobres, senão aos grandes produtores de alimentos como o Brasil, Índia e Argentina. Ainda, os argumentos desses países em via de desenvolvimento é que não estão dispostos a abrir seus mercados aos produtos e empresas européias, americanas ou japonesas. Em virtude desses mesmos argumentos que ao longo de todos esses anos que a tentativa de acordos na Rodada de Doha têm fracassado (Cancun, 2003; Hong Kong, 2005).

Mas para que a Rodada tenha sucesso, basta o entendimento entre os países emergentes e os países ricos, para que tudo possa funcionar.

Adriana Vieira é mestre em Direito, doutoranda em economia pela Unicamp