quinta-feira, 4 de março de 2010

Aposta no real

Celso Ming

Enquanto os grandes fundos de hedge apostam na forte desvalorização do euro, um grande número de analistas do exterior vai recomendando a seus clientes que aumentem suas posições em ativos denominados em reais.

E é o que, em parte, explica a valorização do real nesses primeiros meses do ano. Nos dois primeiros dias de março a cotação do dólar no câmbio interno voltou à casa dos 70 e fechou hoje a R$ 1,782.

A aposta a favor do real acontece num ano em que os resultados macroeconômicos do Brasil não são muito melhores do que os do ano passado. Ao contrário, o governo Lula continua gastando demais e há dúvidas de que conseguirá apresentar o superávit primário de 3,3% com que está comprometida a administração federal.

A inflação ameaça descolar da meta de 4,5%, como o mercado vai temendo, o rombo nas contas correntes com o exterior poderá ser o maior desde 1947.

Além disso, aumentaram as dúvidas sobre se o crescimento econômico em torno de 6% ao ano em 2010 é viável numa paisagem de fraca recuperação da economia global, comércio em retração, ameaça de formação de novas bolhas e bancos centrais travados na execução de sua política monetária (política de juros).

A nova atração que os investidores têm pelos ativos do Brasil é menos o resultado do desempenho da economia brasileira e mais o da desolação que se vê nos países de alta renda, quase todos esmagados por dívidas insuportáveis e enormes déficits orçamentários.

Nunca na história o mercado financeiro teve tanta liquidez à sua disposição. Os tesouros nacionais e os grandes bancos centrais despejaram um volume colossal de recursos (cerca de US$ 9,5 trilhões) com o objetivo de enfrentar a crise e tão cedo não poderão colocar em marcha a operação de enxugamento (estratégia de saída) porque o consumo global continua fraco, o desemprego ainda cresce e o setor produtivo mantém-se prostrado.

Enquanto isso, os investidores internacionais seguem indecisos. Ao longo das marés de aversão ao risco, as opções por aplicações seguras vão rareando. Como confiar no dólar e nos títulos do Tesouro americano se até mesmo o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, adverte que a situação fiscal do seu país é insustentável a longo prazo?

E como confiar no iene se o rombo orçamentário do Japão já é mais do que o dobro do recomendável e se o endividamento líquido do setor público japonês se aproxima dos 100% do PIB?

Sobre a reputação do euro nem é preciso alongar-se demais. A crise da Grécia, que pesa apenas 2,75% na economia da eurolândia, vai provocando uma devastação no valor do euro, que apenas neste início de 2010 já perdeu 5,0% em relação ao dólar.

Essas são as razões pelas quais aumentam as apostas sobre o real e são essas as mesmas razões pelas quais o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pode alardear, como hoje alardeou, que a dívida pública do Brasil foi a que menos cresceu entre os países-membros do Grupo dos 20 (G-20).

E notem: porque terá mais inflação a combater, desta vez o Banco Central não terá a mesma disposição que teve em 2009 para sair à compra de moeda estrangeira de modo que evite a valorização do real.

O mercado de ações também é parte da aposta no Brasil, mas aparentemente está atrasado. O mercado parece mais impressionado até agora com ativos de renda fixa em reais. Ainda assim, a Bolsa demonstra ensaiar uma decolagem.