segunda-feira, 15 de março de 2010

'Com a Oi, o país passou a ter um parceiro de políticas públicas'

Após um ano da compra da Brasil Telecom, o presidente da Oi defende uma operadora verde-amarela e fala sobre os desafios da nova companhia

A incorporação das ações da Brasil Telecom pela Oi, que faz parte do processo de fusão, está suspensadesde janeiro. Uma auditoria descobriu que a possibilidade de a empresa perder ações judiciais sobre planos de expansão (anteriores à privatização) é maior do que havia sido estimada anteriormente. Com isso, a provisão para ações judiciais da Oi foi elevada em R$ 1,3 bilhão, para R$ 2,5 bilhões, e o valor a ser pago aos minoritários está sendo revisado para baixo.

Esse é somente um dos desafios a serem enfrentados este ano por Luiz Eduardo Falco, presidente da Oi. Aos 49 anos, ele se prepara para completar, em 2011, uma década de empresa. "Hoje vi umas notícias de que seria demitido", brincou, referindo-se a um e-mail que recebeu. Na última quinta-feira, na sede da operadora, no Rio, não parecia prestes a deixar o cargo, ao discorrer sobre os planos da operadora.

Em 2008 a Oi comprou a Brasil Telecom, em 2009 cuidou da incorporação. E em 2010, para onde vai a Oi?

Agora vamos botar a tração no chão e andar. Em 2009 tivemos um desafio, que era a fusão. Acho que foi a maior fusão que o Brasil já viu. Em praticamente nove meses fizemos tudo; foi um partozinho. Hoje, a companhia é uma só: os processos, a direção, a ordem, a oferta, a plataforma. Tem muita coisa que está com o sistema duplicado, mas não com o processo duplicado. Pegamos os melhores processos de uma companhia e de outra e fizemos uma nova. Se tivesse de separar hoje, os dois lados ficariam com os melhores processos.

O que teve de ser descartado?

Gente, processo, plataformas. Na direção, por exemplo, eram dois por um. Acabou restando uns 40% da Brasil Telecom e uns 60% da antiga Oi.

Quais foram os ganhos com a união das duas empresas?

A gente estima que a sinergia gerou ganhos de R$ 1 bilhão em valor presente líquido (VPL, previsão de ganhos em valores atuais). Nos custos e nas compras, é fácil ver esses ganhos. No aparelho celular, adotamos o modelo da Região 1 (Norte, com exceção de Acre, Rondônia e Tocantins; Nordeste e Sudeste, com exceção de São Paulo), que quase não vende aparelho, só chip. De cada dois fornecedores, só ia ficar um, então estimulamos essa competição. Reduzimos no call center, na propaganda.

Houve choque de culturas?

Quando juntamos a operação fixa com a móvel da Oi, houve um choque de cultura interno muito grande, um choque de gerações: dos engenheiros e dos internautas. No caso da Brasil Telecom, estávamos mais ou menos vacinados. A antiga Brasil Telecom era mais formal, mais hierarquizada no sentido da chefia. Na antiga Oi, nem sei quem era o chefe. Por esse lado, ficou mais o jeito informal da Oi. Por outro lado, eles eram mais controlados, com mais disciplina. Aí ficou o controle da Brasil Telecom.

E como explicar as perdas provisionadas de R$ 1,3 bilhão?

Uma causa (judicial) qualquer pode ser remota, possível ou provável. Quando é provável, tem de contingenciar. Nos pareceres da Brasil Telecom, (a causa) era "possível". A gente assumiu em janeiro. Em abril, o STJ julgou uma ação e tudo o que estava julgado virou de possível para provável.

Os minoritários saíram prejudicados...

A turma ficou brava, porque você diminuiu o ativo. Nós estamos entre os que vão comprar (Oi) e os que vão vender (BrT). Mas não tem negociação. O valor das ações tem cálculo absolutamente técnico.

E se não houver adesão dos minoritários?

Não incorpora. É uma pena, porque a companhia vai perder um pouco de eficiência e quem não incorporou vai ficar com uma ação que eu não sei exatamente para que servirá. Se não quiser vender, não vendeu, o que eu vou fazer?

Diante desse passivo, o valor pago pela BrT foi caro?

O movimento foi estratégico. Dizer se foi caro ou barato é meio complicado. O que eu sei é que, separadamente, a gente ia morrer. Juntos, vamos viver.

Os planos de internacionalização foram adiados?

Não mudou nada. Mas, dadas algumas perdas, a gente vai ter de trabalhar um pouquinho mais para pagar a dívida. A gente continua olhando as oportunidades. Tem uma na Argentina. Normalmente com os "hermanos" é mais fácil, por estarem próximos. Se surgir oportunidade (de compra), nós vamos agarrar. Precisamos é equacionar isso dentro da dívida, mas nosso apetite não mudou. Temos crescido muito internacionalmente com os nossos cabos submarinos, um ativo que veio da Brasil Telecom. Mas, na Argentina, há problemas no arcabouço regulatório.

Quais foram os impactos da crise?

Zero. A companhia é poderosíssima do ponto de vista do crédito. Tem um caixa espetaculoso: no meio da crise, levantamos R$ 8 bilhões. Fiquei impressionado.

A Oi é mesmo a supertele brasileira?

Dizer que não seria negar a nossa origem. Hoje a Petrobrás é o Brasil; a Embraer é o Brasil, a Vale é quase o Brasil. Há 10 anos, a Embraer era? Não.

A Oi já é o Brasil?

É um processo, vai se tornar com o tempo.

O tamanho que a empresa ganhou é suficiente para não ser engolida?

Para o Brasil, é. Mas cobra que não anda não come sapo. É um jogo de gente grande; tem de continuar crescendo. Agora temos 30% da receita do mercado brasileiro, uma presença nacional fixa e móvel, somos os maiores em banda larga. Somos uma companhia que pode estar perto do governo para fazer políticas públicas - 49% do controle é do governo, direta ou indiretamente. É uma companhia nova, completamente diferente. A Oi passou da posição de alvo para a de caçador.

E quais são os contras de ter o governo como parceiro?

Não vejo muito contra; o modelo dos 49 % é feliz, porque 51% é privado. Então, não tem as restrições. Temos uma gestão privada e uma presença importante do Estado, o que garante um alinhamento da companhia e um direito de preferência se o sócio privado quiser sair. E isso permite que ele possa incluir a companhia em alguns pensamentos estratégicos.

Por exemplo?

O satélite, que é mexicano, tem de ser nosso. Nosso, do Brasil. E o operador tem de ser a Oi. Pensa bem: só falta a gente entrar em guerra com sei lá quem e o submarino não falar com o caça. É uma questão de comunicação, questão estratégica. Por exemplo, a rede do Banco do Brasil, tem de ser de quem? A rede da Caixa Econômica? A rede do governo? A rede de educação? Isso é a parte pró-companhia. Tem a parte pró-governo: quem é que bota as criancinhas na escola com internet de graça? Somos nós.

Por que, então, ressuscitar a Telebrás?

Para nós, não é excludente. Não temos nada contra, nada a favor. Só não sei por que precisa. Se tiver banda larga no Brasil, qualquer que seja o modelo, entre 70%, 80% e 90%, somos nós que vamos fazer.

A Oi desistiu da Eletronet?

Para nós, a Eletronet é uma conta simples: quanto custa a compra e quanto custa aumentar a nossa rede (de fibras ópticas). Nós já analisamos umas cinco vezes, mas a Eletronet tem o problema do valor e da falência.

Para o senhor, a formação de um grupo nacional é mesmo a solução?

O Brasil tem uma vantagem competitiva fantástica em relação a um monte de países: tem um mercado interno gigante. Se um dia o Brasil tiver uma empresa nacional, de telecomunicações, por que não bater em todo mundo? Vamos lá, vamos pegar os mercados dos caras.

O empenho do governo para concretizar a fusão foi muito criticado...

A origem da crítica foi dos competidores. Você está vendo algum monstro aqui dentro? É uma empresa, bem administrada, com metas, preocupada.

Mas o governo mudou a lei apenas para a compra da BrT pela Oi.

Porque entendeu-se que era um movimento importante, estratégico para o Brasil, que eu também acho que é, e defendo até morrer. Não vejo nada de errado no que o governo fez. Aumentou a competição. O Brasil passa a ser mais importante no cenário, passa a ter sonhos, a ter um parceiro em políticas públicas. Eu não vejo nenhum ponto errado, a não ser a ira dos meus competidores. Mas assim é a vida. Quem pode ser contra o Brasil ter um ativo desse tamanho? O Brasil tem de começar, dentro do possível, a deixar de ser submisso como ele sempre foi no mundo. A lei de licitação, a 8.666, traz uns artigos em que o governo pode optar pelo nacional e ponto.

O senhor é hostil ao capital estrangeiro?

Não sou hostil. Adoro capital estrangeiro. Mas, em caso de empate, "sorry", aqui falamos português. É assim que eles nos tratam lá fora.

Na fusão, houve algum momento em que o senhor achou que não ia dar certo?

Somos muito ambiciosos. Não tem esse negócio de não vai dar certo. Todo dia tem um problemaço. Aconteceu de tudo. O desafio maior não foi na negociação. O grande desafio foi juntar as companhias. O ano de 2009 foi muito mais difícil do que o de 2008. Essa é uma empresa de R$ 40 bilhões de faturamento. Em nove meses, juntou tudo e todo mundo sabia o que tinha de fazer. Este ano também é super difícil, porque temos de gerar um monte de caixa para pagar um monte de dívida.

O senhor veio do setor de aviação. Continua pilotando?

Continuo no fim de semana, mas de vez em quando eu faço alguma arte, quando tenho de ir a trabalho para Belo Horizonte, que é muito ruim em serviço de aviação. Tenho um bimotor pequeno. Faz mais de 30 anos que eu piloto. Piloto quase todos os tipos de avião. Eu descarrego o estresse na aviação, no mergulho. Toda vez que muda a cena você tem que prestar atenção. Caso contrário, você morre.