sexta-feira, 25 de junho de 2010

O mercado acionário brasileiro segue longe da economia real

Ricardo Cavalheiro

Por mais ousada que esta afirmação possa parecer, o fato é que as empresas listadas no mercado acionário brasileiro não refletem mesmo a estrutura da nossa economia. Enquanto o valor de mercado das empresas industriais que compõem o Ibovespa (índice de referência que mede a performance de uma carteira teórica das ações mais líquidas listadas na BM&FBovespa) perfaz quase dois terços do valor de mercado do índice, a nossa economia é eminentemente baseada em serviços.

A dissociação entre as alternativas de investimentos em ações e o nosso real potencial econômico representa enorme oportunidade para o desenvolvimento do mercado de capitais. Esse potencial não é apenas importante para os investidores, que poderão ter mais alternativas para investimentos em ações, mas também surge como uma opção cada vez mais relevante de financiamento para as empresas.

O setor de serviços representou cerca de 68% do Produto Interno Bruto brasileiro em 2009. Mesmo se excluíssemos os serviços de administração, saúde e educação públicas, a participação dos serviços no PIB cairia para algo em torno de 62%. Esse nível de participação do setor de serviços é semelhante ao de países com economias desenvolvidas, como EUA (77%), Alemanha (69%) e França (79%).

Já as empresas que compõem o Ibovespa têm um perfil preponderantemente industrial. Para ser mais preciso, o valor de mercado das empresas industriais do Ibovespa (classificadas através do North American Industry Classification System e ajustadas conforme a metodologia do IBGE) atinge 63% do total representado pelo índice. Ou seja, a relevância da participação das indústrias está para o mercado acionário assim como a de serviços está para a economia brasileira como um todo.

No entanto, é importante observar que, no desenvolvimento desse raciocínio, estamos comparando duas variáveis econômicas - valor de mercado e valor adicionado, utilizado para cálculo do PIB - que não são exatamente correspondentes, por conta de diferenças de alavancagem e de tributação, entre outros fatores. Mesmo assim, feitas essas ressalvas e para efeito apenas de exercício, acredito que são medidas comparáveis, que podem e devem ser utilizadas.

A bem da verdade, essa preponderância de empresas industriais já existe há algum tempo no mercado acionário. Em 2005, no início da recente onda de aberturas de capital (IPO), o nosso mercado já apresentava participação da indústria em patamares muito próximos ao que observamos atualmente. Isso porque grandes nomes do setor industrial, como Petrobras e Vale, já possuíam peso relevante na composição do Ibovespa. Essa preponderância contribuiu para consolidar a imagem do mercado brasileiro, ao menos na visão dos investidores internacionais, como umbilicalmente ligado ao setor de commodities (dada a relevância dos setores de Petróleo & Gás e Siderurgia & Mineração).

Entretanto, novos ventos têm soprado no Brasil nestes últimos anos. Desde 2005, o valor das empresas de serviços que listaram suas ações suplantou pela primeira vez o valor de mercado das companhias industriais, em mais de 78%. Em todos os anos, com exceção de 2006, o setor de serviços foi responsável por uma participação maior nas operações de abertura de capital do que a indústria. O grande destaque ocorreu em 2009, quando praticamente todas as operações foram realizadas com empresas do setor terciário.

Por que então nosso mercado não se amoldou a uma composição mais parecida com a da nossa economia? Onde resiste essa diferença? Parte dessa resposta está na dinâmica dos preços das empresas ligadas às commodities. A valorização das ações dessas empresas contribuiu para a manutenção da composição dominantemente industrial do nosso mercado. Podemos citar também como fator dessa resiliência, a consolidação do setor de telecomunicações, com o fechamento de capital de diversas empresas.

Por tudo isso, parece apenas uma questão de tempo para que a dissociação entre o mercado acionário e a economia real desapareça com a evolução do mercado de capitais no Brasil. A continuação do processo de listagem de empresas ligadas ao setor de serviços deve aproximar cada vez mais as alternativas de investimento em ações no Brasil à estrutura da economia do país.