segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Combate à inflação na China divide governo

Geoff Dyer | Financial Times


Se havia alguma dúvida de que as duas maiores economias do mundo estão seguindo caminhos diferentes, essas dúvidas diminuíram na semana passada. Enquanto Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed), falava ao Congresso americano sobre a necessidade de comprar US$ 600 bilhões em títulos do governo para conter a ameaça de inflação, Wen Jiabao, o primeiro-ministro da China, prometia medidas "rigorosas" para lidar com a alta da inflação em seu país.

O governo chinês entrou em alerta total na semana passada, depois que os números da inflação em outubro mostraram uma alta inesperada de 4,4%. Numa aparição em um supermercado de Guangzhou, Wen prometeu subsídios para as pessoas de baixa renda, medidas restritivas contra as manipulações no mercado de commodities, controle de preços de alimentos essenciais.

Wen fez essas declarações entre prateleiras de repolhos, alimento que vem sendo apontado como um dos principais culpados pela alta da inflação. Os preços de 18 hortaliças monitoradas pelas autoridades aumentaram 62,4% nos últimos 12 meses, contribuindo para uma inflação dos preços dos alimentos de 10,1% em outubro, sobre o mesmo período do ano passado.

A inflação está longe dos quase 20% que incentivaram os protestos da Praça da Paz Celestial em 1989, mas não é preciso um aumento muito grande nos preços para que todo tipo de inquietação se infiltre no sistema chinês. Mesmo com uma inflação de 4,4%, já há sinais de que os consumidores começam a estocar alimentos.

A principal motivação de Wen é tentar conter esse comportamento e ancorar as expectativas inflacionárias. Os temores de uma alta da inflação não só prejudicam a imagem de competência econômica do Partido Comunista, como poderiam produzir conseqüências danosas para o resto da economia. Os lares chineses mantêm US$ 4,5 trilhões em depósitos bancários, que no momento estão rendendo retornos reais negativos. Se eles começarem a perder a confiança no valor de longo prazo de suas poupanças bancárias, isso poderá desencadear uma enxurrada de recursos para outros mercados.

Mas mesmo com a China tendo elevado as exigências de reservas para os bancos na sexta-feira, os anúncios da semana passada foram mais um teatro político, e não uma demonstração real de substância. Um dos motivos é que ainda há muita discussão entre os planejadores econômicos sobre a verdadeira gravidade do problema da inflação e o que deve ser feito a respeito.

Os preços dos alimentos subiram, mas os preços de outros produtos não subiram tanto - a inflação que não leva em conta os alimentos foi de apenas 1,6% no mês passado. Isso está levando alguns a concluir que a inflação corrente é um fenômeno temporário, provavelmente provocado pelo clima desfavorável do verão, que vai desaparecer com a próxima safra de hortaliças em dois ou três meses. "A política monetária não pode afetar o clima", conforme disse um funcionário do governo.

Mas outros acreditam que a alta dos preços dos alimentos é um prenúncio de pressões inflacionárias criadas pelo enorme estímulo monetário em que a China embarcou nos últimos dois anos. Os novos empréstimos bancários dobraram em 2009 e a medida "M2" da oferta de dinheiro cresceu quase 50% em dois anos. O dinheiro especulativo, atiçado pela política monetária frouxa dos Estados Unidos, está apenas contribuindo para o aumento da liquidez, enquanto os preços em toda uma variedade de mercados de ativos vêm explodindo. "Há um perigo claro e presente de uma decolagem de um ciclo inflacionário vicioso", afirma Stephen Green, economista do Standard Chartered em Xangai.

Dentro do governo, há também tensões em relação a como combater a inflação. Wen levantou na semana passada a possibilidade do controle de preços dos alimentos. Mesmo assim, poucos no governo acreditam que essa política possa ter um grande impacto.

A alta da inflação deverá fortalecer a mão dos tecnocratas do banco central chinês, que vêm defendendo há alguns meses taxas de juros maiores e restrições aos empréstimos bancários. Mas um grande salto dos juros encontraria resistência em elementos do Partido Comunista, de companhias estatais e governos locais, que vêm tomando muitos empréstimos nos últimos dois anos.