sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Como a Alemanha pode matar o euro

Gideon Rachman | Financial Times


"Me diga como isso vai terminar", foi a pergunta feita pelo general David Petraeus sobre a guerra no Iraque. Os líderes europeus estão fazendo a mesma pergunta enquanto contemplam a crise na zona do euro.

Depois de não conseguirem impedir a disseminação da crise da Grécia, os europeus agora esperam poder conter a crise do euro na Irlanda. Mas, mesmo com a montagem do pacote de resgate irlandês, os mercados de bônus já olham com desconfiança para Portugal. Depois de Portugal, a Espanha é tida como o próximo da lista. E, se uma economia realmente grande como a Espanha precisar chamar a brigada de incêndios financeiros, todo o futuro do euro estará seriamente ameaçado.

Desse modo, a dúvida sobre "como isso vai terminar" é óbvia e urgente - mas também cruelmente difícil de ser respondida. É como assistir um jogo de xadrez tridimensional - em que os níveis financeiro, econômico e político se interagem.

Meu palpite no momento é que a moeda única em algum momento será eliminada - e que o carrasco do euro será a Alemanha, o país e a economia mais poderosos da União Europeia.

A manchete de uma das reportagens do "Financial Times" mais lidas na semana passada era "Alemanha furiosa" - e tratava das acusações feitas por alguns europeus de que a última reviravolta na crise do euro foi provocada pelas políticas inflexíveis da Alemanha.

Mas os próprios alemães têm muitas razões para estarem zangados com a maneira como a moeda única está se desenvolvendo. Seu país passou por uma década dolorosa de restrições dos salários e cortes nos serviços do governo. Muitos eleitores estão ultrajados com a possibilidade de o dinheiro de seus impostos ser usado para financiar a antecipação de aposentadorias para os gregos, ou os impostos corporativos superbaixos da Irlanda.

O povo alemão também recebeu a promessa de que o euro seria tão estável quanto o marco - e que haveria uma "cláusula nada de socorro" que impediria os países mais ricos da Europa de terem de salvar os indigentes. As duas promessas parecem perigosamente perto de serem quebradas. Isso, por sua vez, aumenta os temores de a corte constitucional da Alemanha declarar ilegal a participação de seu governo nos planos de socorro europeus.

O medo que o governo alemão tem de sua própria corte constitucional já vem sendo um condutor crítico da crise. Este ano, os alemães foram acusados de agir muito lentamente na organização de um resgate da Grécia. Mas a indolência oficial foi motivada pelo temor de que uma ação rápida pudesse ser considerada uma violação aos tratados europeus.

A crise imediata na Irlanda foi desencadeada há cerca de um mês, quando Angela Merkel sugeriu que, em crises futuras do euro, os detentores privados de bônus deveriam arcar com mais perdas e novas mudanças nos tratados europeus são necessárias. Esta afirmação também foi feita sob pressão das cortes de justiça.

Por sua vez, as ações da Alemanha criaram pressões políticas e legais sobre as nações que estão recebendo ajuda. Na Grécia, já houve manifestações violentas em Atenas e um ministro evocando a ocupação nazista da década de 1940. Na Irlanda, lamenta-se muito a ameaça à soberania nacional. Na segunda-feira, o próprio governo hesitava.

É possível que a ascensão dos partidos nacionalistas e anticapitalistas, como o Sinn Féin da Irlanda, venha a levar os países que estão recebendo ajuda a dar uma "banana" para a União Europeia - e pagarem para ver se a vida não pode ser melhor fora da moeda única. Países como a Grécia e Portugal poderão ser um pouco mais competitivos se puderem desvalorizar suas moedas. Mas abandonar o euro poderá ser uma humilhação nacional para os membros da periferia sul. Não há também nenhum mecanismo para se abandonar o euro de uma maneira ordeira. Quaisquer preparações óbvias para se fazer isso poderão desencadear uma corrida aos bancos.

Portanto, se o euro for rompido, o país que pedir o divórcio deverá ser uma economia forte - com a Alemanha sendo o litigante mais provável. Os alemães não tomariam essa medida rapidamente ou sem motivo. Um compromisso com a integração europeia vem sendo o motivo condutor da política externa alemã há meio século.

Mas se os alemães se convencerem de que ficará impossível lidar com seus parceiros da zona do euro - e que assim toda a experiência com a moeda única poderá não funcionar -, eles poderão decidir sair. Imagino que isso poderia acontecer de duas maneiras.

A primeira envolveria uma onda sucessiva de crises financeiras na zona do euro, que afetariam os países maiores e gradualmente minaria a confiança dos contribuintes alemães de que os "empréstimos" que a UE está concedendo aos membros mais fracos serão pagos.

A segunda é se, como parece bem provável, as mudanças nos tratados que o governo alemão está exigindo para satisfazer suas cortes não forem ratificadas por alguns dos 26 países membros da UE. A essa altura, os alemães poderiam dizer de fato: "Bem, fizemos o nosso melhor, mas os outros europeus não querem fazer o que é preciso para serem salvos". A Alemanha poderá, então, sentir-se livre da obrigação histórica de "construir a Europa".

Sei que ao estabelecer esses cenários estou fazendo suposições em cima de suposições. Se apenas um ponto da cadeia de argumentos estiver errado, os eventos poderão seguir outra direção. Tudo o que quero mostrar é que os otimistas que criaram o euro - e ainda afirmam que a moeda vai superar os atuais problemas - também fizeram muitas suposições. E as suposições deles parecem que não estão dando muito certo.