segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

"O Brasil vai precisar de mais refinarias"

Engenheiro com 33 anos de experiência na Petrobras, o diretor de
abastecimento, Paulo Roberto Costa, comanda uma estatal dentro da
estatal.

Por Leonardo Attuch

Sob suas asas estão alguns dos maiores projetos da companhia, como as
construções de refinarias em várias regiões do Brasil e o alcoolduto
que irá transportar o etanol desde o Cerrado goiano até o porto de
Santos. Costa avalia que a Petrobras, provavelmente, terá de rever
para cima suas projeções de investimento, em razão do novo ritmo de
expansão da economia brasileira.  "O padrão de crescimento hoje é mais
inclusivo", diz ele. "As classes C e D se motorizaram e muita gente
começou a viajar de avião, ampliando o consumo de derivados". Leia a
seguir sua entrevista.

DINHEIRO – A Petrobras não está concentrando demais seus investimentos
no setor de refinarias?

PAULO ROBERTO COSTA – De maneira alguma. A última refinaria que nós
colocamos em operação foi a Henrique Lage, em São José dos Campos
(SP), em 1980. A Petrobras, na verdade, viveu vários ciclos de
investimento. No passado, a produção era pequena e houve um
investimento grande no refino. Como nós importávamos muito petróleo,
passamos a investir em refinarias para produzir aqui os derivados. Mas
na década de 70, depois da descoberta da bacia de Campos, nós já
havíamos percebido a necessidade de investir mais em exploração e
produção – o que foi uma decisão acertada. Agora, precisamos de mais
refinarias.

DINHEIRO – As que já existem não atendem à demanda?

COSTA – Nós fizemos várias melhorias nas refinarias existentes e
ampliamos a capacidade de 1,3 milhão para 1,9 milhão de barrias/dia,
um pouco menos do que o nosso consumo interno. Só que nós praticamente
já esgotamos a possibilidade de ampliações. Por isso, a necessidade
das novas refinarias. Hoje eu já refino menos do que o mercado
demanda.

DINHEIRO – Mas a dosagem dos investimentos está correta?

COSTA – No passado, para cada 4% a mais de PIB, deveríamos estimar um
aumento de 2,5% no consumo de derivados. Só que isso foi verdade até o
ano de 2009. O que está acontecendo em 2010? O Brasil vai crescer
7,2%. E os derivados de petróleo crescem 10%.

DINHEIRO – Por que houve essa mudança de padrão?

COSTA – Inclusão social. Muita gente da classe D passou para a C.
Muita gente da classe C passou para a B. Nestes últimos anos, 20
milhões de pessoas entraram no mercado de consumo. São pessoas que
adquiriram automóveis, passaram a viajar de avião e a consumir mais
alimento. Aliás, alimento também é petróleo, usado nos fertilizantes e
no transporte. Tudo isso resulta em derivado de petróleo.

DINHEIRO – O crescimento foi geral?

COSTA – Em todos os produtos. Na gasolina, o salto foi de 19%, um
valor gigantesco, mesmo quando se leva em conta que houve problemas na
safra da cana. Em 2009, vendeu-se mais álcool do que gasolina no
Brasil. Isso foi revertido em 2010. Querosene de aviação deu 15% de
expansão. Basta ir a qualquer aeroporto para ver o que está
acontecendo. No diesel, o crescimento foi de 10%. É por isso que eu
digo que a decisão das refinarias foi totalmente acertada. Visão de
futuro.

DINHEIRO – Quando a Petrobras decidiu fazer esses investimentos?

COSTA – A refinaria do Nordeste foi decidida em 2005. O Comperj, o
complexo petroquímico do Rio de Janeiro, em Itaboraí, foi em 2007. Já
as refinarias premium, no Ceará e no Maranhão, foram decididas em
2009.

Hugo Chávez, presidente da Venezuela

DINHEIRO – Muitos analistas de mercado criticam essas duas últimas.

COSTA – Visão de curto prazo. Vamos fazer um exercício de futurologia.
Somando todas as refinarias, o País terá uma capacidade de 3,1 milhões
de toneladas em 2020. Imaginávamos um mercado de 2,8 milhões de
barris/dia. Haveria até uma folga para exportar. Só que, na nossa
conta, estávamos utilizando 4,1% de PIB e 3,2% de aumento dos
derivados. Mas se o PIB crescer 4,5%, já não sobra nada.

DINHEIRO – Isso está sendo revisto?

COSTA – Ainda não. Vamos discutir em 2011. Dos US$ 224 bilhões do
plano de investimentos da Petrobras, já temos US$ 78 bilhões aqui na
área de abastecimento. O fato é que, se o PIB crescer mais do vem
sendo estimado, o que é bastante provável, não sobrará nada para a
exportação. E o fato é que, no mínimo, o mercado interno, que é o mais
lucrativo para a Petrobras, terá que ser bem atendido por nós.

DINHEIRO – Então a crítica dos analistas não faz sentido.

COSTA – De maneira alguma. Outro dia, tive aqui uma reunião com
analistas de 25 bancos tratando desse assunto. Alguns sugerem que
seria melhor investir mais em exploração e produção em função do
pré-sal. Só que ninguém, em nenhum lugar do mundo, coloca petróleo num
carro, num caminhão ou num avião. O que se coloca é um derivado.
Portanto, eu tenho que investir em refino para vender o produto. A
situação-limite seria o Brasil produzir petróleo, exportar e depois
importar os derivados. Nonsense total. Se nós não estivéssemos fazendo
as refinarias, teríamos que importar 700 mil toneladas de diesel em
2020. Isso significa colocar a economia brasileira numa situação  de
total fragilidade.

DINHEIRO – E como está o andamento das refinarias? O Tribunal de
Contas da União tem atrasado as obras?

COSTA – Os problemas no TCU continuam. Eles têm uma visão totalmente
diferente da nossa. Eles usam como referência indicadores de obras
civis. Só que nossos projetos são de montagem industrial. Na
terraplenagem, eles fazem as contas com as tabelas do DNIT para fazer
uma rodovia. A maior carreta pesa 35 toneladas. Numa refinaria, eu
tenho tanques de petróleo que chegam a pesar 100 mil toneladas,
gerando uma força muito maior sobre o terreno.

DINHEIRO – Na refinaria Abreu e Lima, a sócia da Petrobras é a PDVSA,
que não colocou recursos no projeto. Foi a escolha correta do
parceiro?

COSTA – O que nós fizemos em relação a esse assunto? Os contratos e os
acordos de acionistas. Além disso, levantamos um empréstimo de R$ 9
bilhões com o BNDES. E muita gente me perguntou se faríamos sem a
PDVSA. O fato é que nós não podemos parar. Hoje, ela está sendo tocada
100% pela Petrobras. A PDVSA, que tem 40%, teria que assumir R$ 3,6
bilhões junto ao BNDES. Ela foi ao banco, mas o BNDES não aceitou as
garantias apresentadas por eles.

DINHEIRO – Qual será o prejuízo se eles não entrarem?

COSTA – Nenhum. Faremos 100%.

Rubens Ometto, presidente da Cosan

DINHEIRO – Falando de outras refinarias, o Maranhão não foi uma
escolha política?

COSTA – Não. Quando fizemos o projeto do Nordeste, todos os Estados
foram avaliados. Pernambuco ficou em primeiro lugar e o Maranhão em
segundo. É uma região estratégica para suprir a grande fronteira
agrícola do País, o Mapito, formado pelos Estados de Maranhão, Piauí e
Tocantins, além de vários outros Estados do Nordeste e do
Centro-Oeste. Ali, temos também a Ferrovia Norte-Sul. Os trens levam
grãos e o minério de Carajás e voltam vazios. E eles ainda têm um
porto, o de Itaqui, com grande calado.

DINHEIRO – E o Ceará?

COSTA – Será uma refinaria de produtos premium e a mais próxima do
mercado europeu, o que permitirá à Petrobras exportar boa parte de sua
produção de derivados.

DINHEIRO – Na petroquímica, a Petrobras participou de uma grande
reorganização societária, que, de certa forma, criou um monopólio. Foi
um erro?

COSTA – Na petroquímica, nossa intenção era ter dois grandes players.
A Petrobras comprou os ativos petroquímicos do grupo Suzano e se
associou à família Geyer, criando a Quattor. O que prevíamos era ter
no Brasil dois players de porte global: a Braskem e a Quattor. Mas
veio a crise de 2008 e a Quattor enfrentou problemas. A saída foi
incorporar esses ativos à Braskem. Hoje, na composição acionária, a
Braskem tem 51% e a Petrobras tem 49%.

DINHEIRO – Não há risco de abusos de preços contra os consumidores de resinas?

COSTA – Não, porque a petroquímica forma seus preços no mercado
internacional. E a importação está aberta. Não há nem haverá abusos.

DINHEIRO – A construção do alcoolduto também está sob seu comando.
Qual é a situação atual?

COSTA – Há um ano, havia três projetos de alcooldutos no Brasil: o da
Petro-bras, o da Brenco, uma empresa privada do setor sucroalcooleiro,
e um terceiro, que tinha como sócios várias empresas, como Cosan,
Coopersucar e Crystalsev. Eu me sentei com o Rubens Ometto, presidente
da  Cosan, e fiz a ele uma proposta: por que não colocamos todos no
mesmo projeto? Foi a saída mais racional. Esse duto sairá do Cer-rado
goiano, passará pelo Triângulo Mineiro, por São Paulo e chegará ao
porto de Santos. Com isso, será viável exportar etanol para o resto do
mundo.

DINHEIRO – No universo de funcionários da Petrobras, quantos são
vinculados à diretoria de abastecimento?

COSTA – Somando tudo, são 20 mil funcionários diretos, dentro de um
universo de 65 mil da Petrobras. Hoje, na logística, transportamos 14
milhões de barris por dia, de cá para lá e de lá para cá, embora o
consumo brasileiro seja de dois milhões de barris. É uma ginástica
fazer com que não faltem produtos em um país continental como o
Brasil.