domingo, 12 de dezembro de 2010

O desafio do investimento

Armando Castelar Pinheiro

O forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 trouxe de volta a discussão sobre o potencial de crescimento do país, debate que chegou a florescer antes que a crise chegasse ao Brasil no final de 2008. Não há uma fórmula unanimemente aceita para estimar esse teto, nem consenso sobre o que seja crescimento potencial. Não obstante, todos concordam que quando o PIB cresce a taxas muito altas, a inflação sobe e o déficit em conta corrente aumenta, sinalizando que a produção doméstica não está atendendo plenamente a demanda.

Partindo dessa constatação, a maioria dos analistas define crescimento potencial como aquele que, mantido por vários anos, é compatível com a estabilidade da inflação e do saldo das contas externas. Entende-se que a restrição está na expansão da capacidade de produção, ou seja, que não há falta de demanda. Na sua forma mais simples, se estima essa taxa como a soma ponderada da expansão do total de trabalhadores (ou horas trabalhadas) e do estoque de capital, à qual se adiciona a variação da produtividade média ponderada de capital e trabalho, também chamada de produtividade total dos fatores (PTF).

A variação da PTF é em geral fixada com base na série histórica e na evidência internacional; para o Brasil dos próximos anos, taxas entre 1,0% e 1,5% ao ano são valores plausíveis. Para o fator trabalho, a estimativa se baseia nas projeções demográficas: para os próximos cinco anos, altas médias anuais no emprego da ordem de 1,2% a 1,5% - abaixo, portanto, dos 2,4% ao ano observados no último lustro - são razoáveis.

O país também precisa pensar em como aumentar a poupança doméstica e aproveitar melhor a externa

Para o capital, a expansão depende diretamente da taxa de investimento. Para altas da PTF e do emprego nas faixas citadas acima, o Brasil teria de investir algo como 22% a 25% do PIB para que o seu crescimento potencial seja cerca de 5% ao ano. Há uma diferença significativa entre esses dois valores, mas atingir qualquer um deles será um desafio não trivial. Na média dos últimos cinco, dez e vinte anos, nossa taxa de investimento foi de 17,2%, 16,8% e 17,3% do PIB, respectivamente. Nas duas últimas décadas, em apenas um ano, 1994, essa taxa ficou acima de 20% do PIB, e, nos últimos quinze anos, só uma vez superou 18% do PIB (2008).

Três fatores principais explicam esse baixo patamar de investimentos no Brasil. O primeiro é a opção do setor público de focar no aumento dos gastos correntes, em que pese a grande alta de arrecadação, tributária e não tributária, das duas últimas décadas. Grosso modo, considerando o padrão histórico, seria razoável esperar que a administração pública elevasse sua taxa de investimento em cerca de 1,5% do PIB e as estatais, já levando em conta a privatização, em outro 1% do PIB. Isso elevaria a taxa de investimento para perto de 20% do PIB, ainda deixando um hiato a ser coberto por empresas e famílias.

O segundo fator é o risco elevado do investimento privado. São várias fontes de volatilidade em preços e regras que tornam incerto o retorno futuro de um projeto. Aqui se destacam os riscos macroeconômico (câmbio, juros etc.), regulatório (ambiental, tributação etc.), trabalhista e jurídico (contratos e direitos de propriedade cuja validade depende de outros fatores que não a lei). A tributação muito elevada e o ambiente de negócios hostil também são empecilhos importantes.

O último fator é o elevado custo de financiamento. Este, por sua vez, reflete em parte os fatores acima, e seu impacto sobre o custo da intermediação financeira, mas também o fato de que capital é um recurso escasso no país, pois o Brasil poupa pouco. Isso é evidente no alto custo de financiamento da República, aplicação relativamente pouco afetada pelos riscos supracitados.

Para mitigar esse problema, recorre-se ao crédito direcionado, como na habitação, na agricultura e, crescentemente, via BNDES, mas esse é um mecanismo que barateia o custo de capital de alguns projetos, mas não resolve o problema geral. Em especial, quando o tema é visto pela ótica macroeconômica, esses instrumentos não alteram o fato de que, em um país com uma taxa de poupança muito estável em torno de 17% do PIB, níveis mais elevados de investimento irão exigir o recurso a volumes elevados de poupança externa.

Esse não é um grande problema no atual contexto econômico global, em que há abundância de recursos, e o país vem sabendo aproveitar isso para melhorar a estrutura de seu passivo externo. Mas com um déficit em conta corrente acumulado em 12 meses de 2,4% do PIB, não se deve esperar que a poupança externa financie todo incremento no investimento. Principalmente porque esse déficit só não é maior atualmente em função da evolução favorável dos preços de exportações e importações. Se esses tivessem ficado constantes, em dólares, no patamar de 2002, o déficit externo seria de 3,9% do PIB.

Em um momento em que se procura melhorar o acesso a financiamento privado para investimentos de longo prazo, o país também precisa pensar em como aumentar a demanda por investimento e a poupança doméstica, e em como aproveitar melhor a poupança externa.