terça-feira, 25 de outubro de 2011

Durante palestra em Pequim, Troyjo afirma que ascensão da China é "eclipse" da economia global

Fábio Pereira Ribeiro, EXAME.com


O diplomata Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Columbia University, afirmou durante palestra em Pequim que a China tornou-se um "outro centro" da economia global:  "seu modelo industrial de Nação-Comerciante é tão eficiente e portentoso em escala, que sua arrancada gerou uma retomada da demanda planetária por commodities". Troyjo calcula que o PIB chinês em dólares correntes foi multiplicado 83 vezes desde 1978. "Chegará a US$5 trilhões em 2012", prevê. O Blog Brasil no Mundo teve uma entrevista exclusiva com Troyjo após sua palestra realizada na Universidade Tsinghua, a mais importante da China, durante encontro do Comitê 'Reinventing Bretton Woods'. Outros oradores incluíram Li Ruogu, presidente do EXIMBANK da China; Edmond Alphandéry, Presidente do Grupo Euro50, e Sergei Guriev, Reitor da New Economic School de Moscou.


1) Qual o elo entre inovação e vantagens competitivas?

Conceber e aprimorar tecnologicamente produtos e processos – e levá-los aos mercados globais – é o grande diferencial de poder e riqueza nas sociedades contemporâneas. Choques de destruição criativa, nos dizeres de Joseph Schumpeter, fazem países ocupar o centro da geometria econômica global. A chamada "hipótese Singer-Prebisch" e toda a escola estruturalista sugeriam que deriva desse modelo um padrão Centro-Periferia ou Norte-Sul. No centro, ou Norte, países que realizam intensiva destruição criativa e agregação de valor. Na periferia, ou Sul, países dependentes da comercialização de matérias-primas.

Quando a liderança central era desempenhada pela Inglaterra no século XIX, elites latino-americanas, como as da Argentina, mantinham elevados padrões de vida com a exportação de carne ou trigo. Era o mundo ricardiano das vantagens comparativas que permitia a Buenos Aires tantas livrarias como Paris e teatros equivalentes aos de Londres. Com os EUA – também uma superpotência do comércio agrícola no papel de economia central -, emergiu o desafio da industrialização por adaptação criativa. Diferenciais teriam de residir em vantagens competitivas.

2) Que modelo a China tem utilizado para sustentar três décadas de crescimento robusto?

A China tem combatido sua condição periférica desde 1978 com industrialização voltada a exportações. O Brasil, com a substituição de importações. A primeira visa acordos comerciais, PPPs voltadas à estruturação de comércio exterior e baixa remuneração dos fatores. A segunda, protecionismo, alento ao mercado interno e incentivo em compras governamentais ao conteúdo local. O êxito ou fracasso desses modelos estará associado a uma correta compreensão e necessária adaptação das estratégias nacionais a um verdadeiro "eclipse" no centro da economia global.

3) Por que um "eclipse" na economia global?

A China acelerou sua adaptação criativa e, mediante exuberantes superávits comerciais e sucessivos excedentes orientados estrategicamente à pesquisa, desenvolvimento e inovação, está aproximando-se do centro denso em tecnologias. Em 2020, chegará à marca de 2,5% de seu PIB voltados à inovação, superior portanto à media de 2,1% dos países da OCDE. O Brasil continua no patamar de apenas 1% de seu PIB em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

4) Quais as implicações deste eclipse para o Brasil?

Este renovado sistema internacional em que há uma centralidade da China faz reemergir, para países como o Brasil, lógica semelhante ao padrão Norte-Sul das vantagens comparativas do século XIX. A tonelada chinesa exportada ao Brasil vale US$ 3 mil, enquanto a tonelada brasileira à China menos de US$ 170. Esta neodependência a um novo centro é temerária para o Brasil. Pode levar a uma sensação de efêmera prosperidade, sobretudo se os benéficios do comércio em commodities não se traduzirem em investimentos nas áreas de ponta deste cenário global de acirradas rivalidades tecnológicas.

5) Como os EUA vêem esse eclipse?

Aumentam nos Estados Unidos vozes contra a maneira com que a China mantém baixa a cotação de sua moeda. Busca disseminar-se a visão de que este é o principal diferencial competitivo chinês na economia global. Culpar a moeda chinesa pela perda de empregos e negócios em território americano é discurso de natureza política. A fraqueza do dólar, e não do renminbi, é capaz de provocar desequilíbrios sistêmicos. Mais que "guerras cambiais", hoje travam-se "guerras de competitividade". Nelas, batalhas cambiais são acessórias, não decisivas.


6) A mão-de-obra barata é o grande diferencial chinês?

O cerne da hipercompetitividade chinesa reside nas PPPs como mola propulsora de exportações e atração de capitais. Na baixa remuneração dos fatores de produção. Na elevada taxa de poupança interna e investimento, a quase 50% do Produto Interno Bruto. Na intensa diplomacia empresarial.

7) EUA e Brasil estão alinhados em relação à influência da economia chinesa?

Os EUA querem aliados na crítica ao câmbio chinês. Em fóruns multilaterais, buscam o endosso brasileiro. Seria errado qualificar quaisquer críticas brasileiras (que são crescentes) às políticas econômicas da China como simplesmente uma forma de compartilhar a visão dos EUA, essencialmente centrada no câmbio. O Brasil tem preocupações próprias quanto à sua desindustrialização. Muitas empresas brasileiras escolhem a China não só como plataforma para exportação a terceiros países. Têm também olhos voltados ao mercado doméstico chinês. Isso é cada vez mais problemático na medida em que a China intensifica sua política de conteúdo local para bens produzidos por empresas estrangeiras na China, em vez de simplesmente comprá-los de suas matrizes no exterior. Empatias (e antipatias em relação aos EUA) podem ter desempenhado algum papel no crescimento recente do intercâmbio Brasil-China. Predileções ideológicas parecem menos importantes no governo Dilma.

8) Como a China conseguiu ultrapassar os EUA na condição de principal parceiro comercial e fonte de investimento estrangeiro do Brasil?


Isso se explica por três fatores: os EUA não perseguiram seus interesses no Brasil tão ativamente como deveriam no pós-11 de Setembro. Washington não atentou à excelente descrição do potencial brasileiro feita pelo Council on Foreign Relations em fevereiro de 2001 no "memorando sobre a política dos EUA para o Brasil". O apetite da China por commodities (agrícolas e minerais) brasileiras amplia-se a logística, infraestrutura, aviões, também tem peso relevante.O terceiro fator é a boa vontade mútua gerada pela disposição brasileira em reconhecer a China como "economia de mercado" (não formalizada) em troca do apoio chinês ao pleito do país para tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da ONU (tampouco formalizado) e a abertura do mercado chinês para exportações brasileiras de proteína animal.

Os empresários brasileiros, seriamente preocupados com a inundação de produtos chineses no mercado brasileiro, são menos lamuriosos da política cambial da China. Criticam, correta e enfaticamente, nossa defasada infraestrutura e legislação trabalhista e fiscal. Fatores que, agregados à ausência de uma estratégia de nação comerciante, prejudicam mais nossa competitividade internacional do que embates cambiais.