quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O G-20 em Cannes: filme de suspense

Marcos Troyjo, 

A glamurosa Cannes, na Riviera Francesa, é mundialmente conhecida pelo prestígio de seu Festival de Cinema. É neste dourado balneário que se realiza nesta semana a reunião do G-20, grupo que congrega líderes das mais importantes economias do planeta dentre industrializados e emergentes. Se tivéssemos de caracterizar o encontro de acordo com critérios cinematográficos, a reunião seria um "filme de suspense".

Seguramente o encontro será marcado por manifestações públicas com promessas de coordenação dentre as 20 grandes economias para superar os vultosos desafios de serviço de dîvida soberana na Europa e retomada firme do crescimento no Velho Mundo e nos EUA. 

Todas as reuniões de bastidores, no entanto, serão marcadas por uma espécie de "intercâmbio de recriminações" entre EUA e países da União Européia sobre a quem cabe a culpa pela "neocrise" que o mercado global está vivendo em 2011. Toda o impasse representado pela Grécia, exacerbado pela disposição intempestiva do Primeiro-Ministro grego em realizar um plebiscito popular a decidir pela ajuda externa a seu país, apenas torna a Cúpula ainda mais dramática. 

Imaginava-se, no início do ano, que a recuperacão da economia internacional teria a forma de um "V", sendo que o fundo do poço era representado pela quebra do Lehman Brothers em 2008. 

Dessa forma, EUA e Europa utilizarão esta e outras oportunidades para pedir que as economias emergentes, os BRICs em particular -- e em especial a China -- participem mais ativamente do redesenho da arquitetura financeira internacional. 

Isso passa sobretudo pela utilização das gigantescas reservas cambiais dos BRICs que hoje se encontram em torno de US$4,2 trilhões (sendo que desse montante a China tem US$3,2 trilhões).

Com essas reservas os BRICs poderiam comprar 80% das empresas negociadas na Nasdaq. Os BRICs, por seu turno, pregarão um redesenho/democratização do sistema financeiro multilateral, mas não devem avançar muitos recursos para esse fim. 

Os BRICs vão argumentar que suas reservas cambiais, aplicadas majoritariamente em títulos do Tesouro dos EUA, já contribuem para que a taxa de juros praticada pelo FED permaneça à vizinhança de 0%, ajudando assim a retomada do cresimento global. 

É bom ressaltar que o G-20 é um fórum de consultas e coordenação, e não uma organização multilateral cujas decisões têm força compulsória. Ainda assim, o mundo é melhor com o G-20 do que sem ele. 

Para os BRICs, representa uma caixa de ressonância para sua visão de mundo. Mostra também que as "antigas" potências industriais do G-7 reconhecem que está se processando uma mudança das "placas tectônicas" do poder global. Hoje o PIB dos BRICs, por exemplo, já representa o equivalente ao PIB dos EUA ou da Europa. 

O problema com o G-20, como qualquer arranjo multinacional, é que ele se contra em meio ao individualismo de cada país em velar por seus próprios interesses (daí acusações do tipo que os EUA estão exportando sua crise, ou que a moeda chinesa está demasiado subvalorizada, ou que o Brasil é protecionista demais, etc.) e as necessidades de cooperação para a solução problemas que muito superam em escala a capacidade individual de cada país. 

Caso a comunidade internacional realmente deseje criar uma estrutura eficiente de governança econômica global, seria necessário fundir FMI, Banco Mundial, OMC e G-20 num novo e poderoso instrumento que reflita as realidades de poder e desafios do século 21, mas ainda estamos a anos-luz de um mecanismo desse tipo.