terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Reinvente-se: A "autodestruição criativa"

Escrevendo uma história

Marcos Troyjo - Professor do IBMEC e pesquisador da Universidade Paris V-Sorbonne
Colunista Brasil Econômico

http://www.brasileconomico.com.br/noticias/escrevendo-uma-historia_110105.html

Noutro dia, durante uma reunião, anotei algo para passar num bilhete a um colega. Olhei para meu manuscrito e vi como minha letra estava horrível. Por que será que a gente está ficando com a letra cada vez mais feia? 

 É simples. Estamos praticamente deixando de manuscrever. Como alternativa à caneta e ao lápis, tínhamos a máquina de escrever, depois o teclado do computador.

Agora dedilhamos tablets e smartphones. Na juventude, meu pai estudou caligrafia. Para causar boa impressão profissional ou conquistar o coração de uma garota, ter uma letra bonita ajudava muito.

O progressivo abandono do ato de manuscrever nos anos recentes é sem dúvida uma mudança de hábitos estimulada pelas opções tecnológicas de comunicar-se por escrito. Mas quais as consequências disso para aqueles que são acionistas de uma empresa de canetas?

Creio que um dos casos de reinvenção mais interessantes que existem nesse campo é o da marca Montblanc. Nos anos 1990, buscava-se numa reunião estratégica do conselho da empresa que gera a marca alternativas de receita num mundo em que as pessoas estão deixando de manuscrever.

Um dos participantes da reunião sugeriu diminuir o preço médio da Montblanc de US$ 110 para US$ 25. Isto poderia ser obtido com a diminuição dos custos de produção em se transferindo a manufatura da Suíça e da Alemanha para a China.

Esta alternativa visava à margem de lucro na quantidade, e não mais na percepção de qualidade e estilo da marca Montblanc.

Outro participante da reunião enxergava como alternativa perseguir o mercado de colecionadores, dando como perdida a guerra contra os computadores e outros instrumentos digitais.

A solução seria multiplicar séries especiais baseadas em datas como o Aniversário de Mozart ou o Centenário da Exposição Universal de Paris, etc. E de fato a Montblanc segue marginalmente também essa estratégia.

Alguém no entanto sugeriu: "na realidade nosso negócio não é canetas. É uma certa experiência de marca. O que precisamos é fazer a 'autodestruição criativa' de nossa empresa. Temos de aproveitar nossa receita ainda robusta oriunda do segmento de canetas e promover a transposição lateral da nossa marca. Levar nossa percepção de estilo a outros produtos. Devemos ir para o mundo dos relógios - uma das poucas peças da joalheria masculina. Devemos ir para as gravatas, para os artefatos finos de couro, para a sedaria, para os cosméticos e perfumes" - e a Montblanc de fato adotou essa estratégia.

Marcas conhecidíssimas do mercado de canetas que não se autodestruíram criativamente, que ficaram atreladas a noções arcaicas de "core business", que não se reinventaram, como é o caso da Parker, Cross ou Sheaffer, viram suas fatias de mercado cada vez mais delgadas.

Hoje de cada cem dólares que entram na marca Montblanc, a empresa depende progressivamente menos da receita de canetas. Ser líder num certo segmento não deve significar que "em time que está ganhando não se mexe".

Para os que estão na ponta, o desafio é o da inovação endógena. Com este case, a Montblanc escreve uma lição paradigmática e exitosa de reinvenção.