terça-feira, 10 de abril de 2012

Robô substitui até chinês

Por Renato Cruz e Raquel Landim

Na fabricante de carretas Noma, no interior do Paraná, não tem gente fazendo força. São os robôs espalhados pela fábrica que carregam as peças pesadas. São também robôs que soldam as diferentes partes dos veículos. Antes privilégio de grandes corporações, os robôs estão invadindo as linhas de produção de pequenas e médias empresas no mundo todo e prometem mudanças importantes na divisão global do trabalho, com prejuízo para os países emergentes.

Está em curso uma mudança no sistema fabril que pode significar um novo estágio da revolução industrial. Hoje, comprar um robô custa praticamente o mesmo que pagar o salário de um operário chinês. Dados preparados pela consultoria Gavekal mostram que o custo unitário de um robô industrial atingiu cerca de US$ 48 mil no ano passado, uma diferença pequena para os US$ 44 mil pagos a um funcionário pela gigante de montagem Foxconn durante dois anos.

Na verdade, os chineses recebem menos que isso na Foxconn – que, entre vários outros produtos, faz os iPhones e iPads da Apple -, mas o cálculo considera um fictício operário que trabalhasse 24 horas – como um robô. As jornadas de trabalho da China são pesadas, mas ainda não chegam a tanto. O resultado dessa aproximação de custos é que até a Foxconn já anunciou que pretende "empregar" 1 milhão de robôs até 2014.

Outra evidência do avanço da robótica é que a demanda por robôs industriais está indo além do setor automotivo, que já é tradicional nessa área. Em 2006, as montadoras respondiam por 36% dos robôs utilizados no planeta. Esse porcentual caiu para 28% em 2010. O setor elétrico e eletrônico, que detinha 18% dos robôs, saltou para 26%. Também se destacam os fabricantes de plásticos, produtos químicos e cosméticos.

"Estamos diante de uma tecnologia de ruptura. O excesso de mão de obra vai deixar de ser uma vantagem e as empresas vão começar a retornar para países com mão de obra qualificada, baixos custos e boa infraestrutura", disse José Roberto Mendonça de Barros, sócio-diretor da MB Associados. "A robótica é um dos fatores que vai ajudar a indústria a renascer nos Estados Unidos".

Mendonça de Barros projeta que, até 2015, o mundo vai assistir atônito a uma mudança radical nas relações de trabalho. Yuchan Li, analista da Gavekal baseada em Hong Kong e autora dos cálculos, disse ao Estado por e-mail que "é difícil colocar um prazo definitivo, mas que há sinais de que a revolução já está ocorrendo". Segundo ela, as mudanças são mais rápidas em alguns países, como a Coreia do Sul, do que em outros.

O movimento é inevitável. De um lado, o esforço de países como a China para reforçar o mercado local, melhorando a renda e as condições de trabalho, acaba elevando os custos da mão de obra. De outro, os robôs acabam sendo beneficiados pela chamada Lei de Moore. Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, previu, na década de 1960, que a capacidade dos microprocessadores dobraria a cada dois anos. Isso faz com que os eletrônicos possam ser, a cada ano, mais potentes e mais baratos. E o mesmo acontece com os robôs.

Substituição

A crise global enfrentada desde a quebra do Lehman Brothers ajudou a acelerar o processo, porque forçou as empresas a buscar novas maneiras de reduzir seus custos e melhorar suas magras margens de lucro. Mas são duas tendências estruturais, para as quais não há sinal de alteração no curto prazo, que alimentam o processo: a queda do preço dos robôs e o aumento dos salários, particularmente na China, mas também no Brasil. Marcos Noma, dono da empresa paranaense, conta que os robôs que utiliza chegavam a custar R$ 800 mil há 10 anos e hoje não passam de R$ 200 mil. "Foi isso que permitiu o nosso investimento", diz.

A queda dos preços globais dos robôs não foi tão significativa quanto relata o empresário brasileiro, mas não deixou de ser relevante. Entre 2000 e 2010, o custo médio de um robô industrial caiu 23%, conforme a Gavekal. A consultoria não possui dados tão antigos para os salários na Foxconn, mas entre 2003 e 2010, a remuneração dos operários da empresa na China cresceu 140%.

Considerada o chão de fábrica do mundo, os custos na China estão subindo porque o país não vai conseguir oferecer trabalhadores suficientes para acompanhar o crescimento da manufatura global, apesar do seu 1,3 bilhão de habitantes. Muitas empresas estão elevando sua produção a uma taxa anual de 10%, enquanto a oferta de trabalho na China cresce apenas 2% – reflexo da política do filho único adotada pelo governo comunista.

A China deve continuar a ser uma grande produtora global de manufaturas, mas é provável que daqui para frente as empresas instaladas no país se dediquem cada vez mais a atender o mercado interno, cujo consumo precisa acelerar para garantir um crescimento sustentável da economia. Empresas americanas e europeias, que produziam na China para atender seus mercados de origem, já começam a fazer o caminho de volta.

Os populosos e pobres países asiáticos, como Vietnã ou Bangladesh, devem ser os mais prejudicados pelas mudanças tecnológicas, mas o Brasil não vai passar imune. Algumas empresas brasileiras começam a recorrer a robôs para melhorar a qualidade e fazer frente a falta de mão de obra qualificada. O grande problema é que a indústria brasileira enfrenta hoje uma séria falta de competitividade, por conta da infraestrutura ruim e da segunda energia mais cara do mundo, o famoso custo Brasil. Com os robôs substituindo chineses, são esses fatores que vão determinar a instalação da indústria global nos novos tempos.

Estratégia

Para Yuchan Li, da Gavekal, a China pode provar, com a automação, que seu diferencial, no mercado mundial, é a capacidade de fabricar em larga escala, e não a mão de obra barata. Além disso, as empresas do país têm a chance de combater a imagem de exploradoras dos trabalhadores, de quem impõe jornadas de trabalho desumanas em ambientes insalubres.

Na semana passada, Tim Cook, presidente da Apple, visitou as fábricas da Foxconn na China. O executivo foi verificar pessoalmente as condições de trabalho nas instalações da fornecedora, e acabou anunciando um acordo para acabar com as ilegalidades apontadas pela Fair Labor Association (FLA), associação independente autorizada pela Apple a avaliar as condições de trabalho nas fábricas chinesas.

O anúncio, no entanto, acabou criando temores de queda de renda entre os funcionários da Foxconn. Muitos acreditam que, sem as horas extras além do que é permitido pela legislação, não vão conseguir se sustentar. De uma forma ou de outra, a fabricante do iPhone e do iPad resolveu tomar medidas para impedir que os problemas da Foxconn acabem prejudicando sua imagem.

No lançamento do novo iPad, um grupo de ativistas foi à loja da Apple na Quinta Avenida, em Nova York, para protestar contra as condições de trabalho na China. No começo do ano, cerca de 150 funcionários da unidade da Foxconn em Wuhan ameaçaram cometer suicídio coletivo, saltando do alto do edifício. Sua exigência era a melhora das condições de trabalho.

Em 2010, pelo menos 18 funcionários da Foxconn tentaram suicídio, com 14 mortes. No ano seguinte, foram mais quatro mortes. A decisão da Foxconn de anunciar um investimento massivo em robôs pode ser vista como uma maneira de enfrentar os custos crescentes da mão de obra, mas também como um jeito de fazer frente a essa situação.

Automação garante padrão de qualidade

Nem todo mundo é Apple. Na verdade, poucas empresas têm a força e a escala da fabricante dos iPads e dos iPhones para buscar fornecedores chineses com garantia de prazo e qualidade. Com o movimento de transferência de produção para a China, nas últimas décadas, as fabricantes chinesas mais bem preparadas estão sobrecarregadas, o que já provoca um movimento de quarteirização, em que o serviço de clientes internacionais pequenos e médios é repassado para fabricantes menores.

Com isso, essas empresas pequenas e médias começaram a receber produtos de qualidade inferior, fora do prazo . "O primeiro e o segundo lotes vêm com a qualidade combinada, mas, daí em diante, começa a haver perdas", disse Wagner Bello, diretor da Fanuc Robotics do Brasil, subsidiária da empresa japonesa que é uma das maiores fabricantes de robôs do mundo. "Isso incentiva a demanda interna por robôs."

Reportagem recente da revista Wired mostrou várias empresas pequenas e médias americanas que trocaram a produção na China por uma fábrica automatizada nos Estados Unidos. Uma delas, chamada Sleek Audio, produz fones de ouvido de alto padrão. Apesar de os donos visitarem a cada dois meses o fornecedor em Dongguan para garantir a qualidade, receberam uma encomenda de 10 mil fones de ouvido que precisaram ser descartados, porque não foram soldados da maneira certa, o que levou a milhões de dólares de prejuízo. Em 2010, decidiram transferir a produção para os EUA.

Segundo Bello, esse movimento também acontece no Brasil, em setores como autopeças. "O robô está se tornando extremamente barato", disse o executivo. "O preço está em 25% do que custava há oito anos."

Existem máquinas da Fanuc a partir de R$ 50 mil. E o robô ainda serve para resolver outros problemas, como a falta de mão de obra.

Sem citar o nome, Bello afirma que um de seus clientes, do setor alimentício, enfrentava dificuldade de encontrar pessoal para o terceiro turno da fábrica, que funciona 24h por dia. A solução foi comprar robôs. "Estamos quebrando o paradigma de que o robô tira o emprego das pessoas". diz. No ano passado, o mercado brasileiro de automação industrial movimentou R$ 3,725 bilhões, 15% a mais do que em 2010, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica.

Enquanto os robôs avançam, muitos se perguntam quando vai se tornar realidade o robô doméstico, como a Rosie, empregada dos Jetsons. Durante a Cebit, evento em Hannover, na Alemanha, engenheiros do Instituto de Tecnologia Karlsruhe (KIT, na sigla em alemão), apresentaram um robô capaz de realizar pequenas tarefas domésticas, como colocar a louça na máquina de lavar. A bateria durava somente três horas, e o preço era de 200 mil euros.

O mais próximo que se tem hoje de um robô doméstico comercialmente viável é o aspirador de pó Roomba, que se desloca sozinho pela casa, limpando o chão. "De certa forma, sua máquina de lavar roupas já é um robô", afirmou Dan Barry, professor da Singularity University, que esteve em São Paulo no mês passado. Segundo ele, o problema é que os robôs ainda são muito lentos. "Não servem para mim ou para você, mas já podem ajudar pessoas com deficiências. Acho que é por aí que vamos desenvolvê-los e barateá-los."