terça-feira, 23 de outubro de 2012

Deseuropeização da América Latina

Por Marcos Troyjo
Diretor do BRICLab da Universidade Columbia e professor do Ibmec

A retomada do crescimento global ante incertezas como a lenta recuperação da economia americana, a crise das dívidas soberanas na Europa e a desaceleração da economia chinesa lança nova ênfase sobre os rumos da América Latina. Desacreditada como região econômica na "década perdida" dos anos 80 e na "década desperdiçada" dos 90, a América Latina virou o jogo e cresceu bem acima da média mundial no primeiro decênio do século 21.

No entanto, os países latino-americanos realizaram sua ascensão econômica recente num cenário global que já não existe mais. Eles terão de passar por uma metamorfose e se converter em pólos mais dinâmicos de tecnologia. Além de criativas, as nações latino-americanas precisam ser inovadoras. É a necessidade dessa mudança de DNA do padrão de crescimento que determinará o êxito de cada país latino-americano.  

Todos querem saber para onde vão Brasil, México, Colômbia, Argentina, Chile, Peru e os demais. Mais do que expectativa, há muita esperança quanto ao desempenho econômico da América Latina, que sempre dependeu muito do resto do mundo. Hoje, o mundo também depende da América Latina.

Há pouco mais de 10 anos, ícones de Wall Street como o – hoje extinto – Bear Sterns, apostavam forte contra a América Latina. Brasil, Argentina e México eram casos sem salvação. Estavam destinados a espirais inflacionárias e crises de balança de pagamentos. A América Latina encabeçava a "lista VIP" de clientes fidelizados do Fundo Monetário Internacional.

A situação contrastava fortemente com a da Europa. Nos anos 1990, a  Europa era tremendamente importante para a América Latina, e não apenas como principal fonte de investimentos estrangeiros direto (IEDs) e capital para processos de privatização.  A Europa representava também o principal foco de interesse de acesso a mercados e ao mesmo tempo de contenciosos comerciais, dadas as barreiras tarifárias e não-tarifárias que se impunham às exportações agrícolas dos latino-americanos. 

De fato, os subsídios europeus a seus agricultores, mais do que apenas errados do ponto de vista econômico – eram imorais. Brincava-se no início da década passada que era mais barato para um supermercado francês levar uma vaca em classe executiva num voo São Paulo-Paris do que "produzir" a vaca na França.

Na última década, a grande maioria da América Latina assistiu a confluência de três fenômenos. O primeiro: os efeitos positivos de leis de responsabilidade fiscal que diminuíram riscos inflacionários. O segundo: a estonteante ascensão econômica da China e seu insaciável apetite por commodities em que a América Latina apresenta vantagens comparativas. O terceiro: o abandono do chamado "Consenso de Washington" como principal referência de como as sociedades latino-americanas deveriam organizar suas estratégias econômicas.

Tal confluência, somada a uma Europa atolada em sua própria areia movediça fiscal, está a permitir o que poderíamos chamar de uma verdadeira "Deseuropeização" dos focos prioritários dos países latino-americanos. É uma situação absolutamente inédita nos mais de 500 anos de história nas relações entre Velho e Novo Mundo.