terça-feira, 23 de outubro de 2012

Comércio mundial entra em nova fase

Por Gregory Meyer e Javier Blas | Financial Times, de Nova York e Londres

"O mapa global do petróleo será redesenhado nos próximos cinco anos", diz Maria van der Hoeven, diretora-executiva da Agência Internacional de Energia
México, Nigéria, Arábia Saudita, Reino Unido, Venezuela: em outros tempos, a origem dos petroleiros atracados no porto de Corpus Christi, Texas, mais parecia uma lista de presença na qual constavam os principais países exportadores de petróleo.

A lista, agora, ficou mais curta. Na verdade, pela primeira vez desde os anos 40, o porto hoje é ponto de origem para remessas ao exterior de milhões de barris de petróleo bruto, extraídos na região, ali nas proximidades, de Eagle Ford. "É inacreditável", diz Frank Brogan", vice-diretor do porto. "O petróleo bruto importado foi nossa carga principal por décadas."

O porto de Corpus Christi está no centro de uma mudança histórica em andamento no comércio mundial de petróleo bruto. Com a recuperação da produção na América do Norte, os padrões de importação e exportação vêm mudando. A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que até 2017 haverá declínio no comércio intercontinental de petróleo, revertendo anos de crescimento constante.

"O mapa global do petróleo será redesenhado nos próximos cinco anos", diz Maria van der Hoeven, diretora-executiva da AIE, a associação dos países ocidentais de supervisão do setor petroleiro.

Em 2017, serão negociados diariamente 32,9 milhões de barris de petróleo bruto entre as diferentes regiões do mundo, 1,6 milhão de barris a menos do que em 2011, segundo estimativa da agência. O declínio provavelmente terá repercussões nos balanços de pagamentos nacionais e nas empresas de fontes de energia.

O novo mapa comercial também mudará as relações de preço do petróleo bruto, obrigando grandes empresas internacionais de comércio, como a Vitol, Glencore, Trafigura, Gunvor e Mercuria, assim como as divisões comercializadoras da BP, Royal Dutch Shell e Total, a repensar a forma como operam. Também poderia atingir a demanda por fretes de empresas de superpetroleiros, como a Frontline, com sede nas Bermudas, e a OSG, nos EUA.

O centro das mudanças no mapa global é a América do Norte, onde as refinarias reduzirão as importações em consideráveis 2,6 milhões barris por dia, o equivalente à produção atual do Kuwait, graças ao aumento da produção no Canadá e em estados dos EUA, como Texas e Dakota do Norte.

A mudança nas importações não será uniforme entre os diferentes tipos de petróleo, com as refinarias provavelmente ficando mais avessas ao petróleo leve e com baixo teor de enxofre, que é de maior qualidade. Os EUA cortaram pela metade as importações vindas da Nigéria, fornecedor desse tipo de petróleo.

"Prevemos que as importações de [petróleo] leve [que tem baixo teor de enxofre] manterão seu ritmo constante de declínio de 400 mil barris diários por ano", diz Thomas Waymel, diretor de petróleo bruto da Totsa, a divisão de comércio internacional da francesa Total.

Refinarias na costa atlântica dos EUA vêm encontrando novas formas de substituir o petróleo estrangeiro com a produção local. O aumento na produção dos EUA fez o preço do referencial local, o West Texas Intermediate (WTI), cair em relação a outros petróleos. Nesta semana, a diferença entre o WTI e o petróleo do tipo Brent aumentou para mais de US$ 24 por barril, a maior em um ano e próxima ao recorde de mais de US$ 28, observado em 2011.

Em Albany, capital do Estado de Nova York, a Global Partners, empresa de comercialização e logística de fontes de energia, vem descarregando trens com petróleo bruto americano e transferindo-o a barcas que seguem pelo rio Hudson para ser vendido a refinarias. "É uma alternativa melhor do que o [petróleo] da África Ocidental", diz o executivo-chefe da empresa Eric Slifka.

A outra grande mudança no mapa-múndi do petróleo é a previsão de queda nas exportações de petróleo bruto do Oriente Médio nos próximos cinco anos. A AIE projeta que, em 2017, a região estará exportando cerca de 1,9 milhões de barris diários a menos.

Duas forças explicam o declínio previsto. Primeira, a região vai refinar mais petróleo domesticamente. Na Arábia Saudita, a petrolífera estatal Saudi Aramco está construindo duas refinarias, cada uma com capacidade para 400 mil barris diários, em alianças com a Total e a chinesa Sinopec. As refinarias vão processar quase todo o petróleo bruto extraído do mais novo campo de petróleo saudita, chamado de Manifa. A outra força em questão será uma redução na produção da Síria, Iêmen e Omã.

No total, as importações de petróleo bruto pelos países industrializados vão cair 4,3 milhões de barris diários nos próximos cinco anos. Por outro lado, em 2017, os países em desenvolvimento vão estar comprando 2,7 milhões de barris diários a mais do que em 2011. A retração no comércio de petróleo bruto, no entanto, pode vir acompanhada por um aumento no de combustível, uma vez que os produtores nos EUA e Oriente Médio vão refinar mais petróleo perto de casa e enviar os produtos refinados para o exterior.

As comercializadoras cujas rotas formam a espinha dorsal do comércio internacional de petróleo também precisarão se adaptar. A BP, por exemplo, reestruturou seu braço de comercialização há dois anos como reflexo das mudanças no mapa internacional do petróleo. Na época do anúncio, o diretor de operações integradas de oferta e comercialização da BP, Paul Reed, disse aos funcionários por e-mail que a base de ativos da BP estava predominantemente em mercados desenvolvidos e que a empresa tinha "relativamente pouca presença em algumas" das novas áreas de consumo em fase de expansão.

A Trafigura também tenta se adaptar e vem aumentando os investimentos na Ásia, onde o crescimento é acelerado. A empresa anunciou neste ano investimentos de US$ 130 milhões para comprar participação de 24% no projeto da Nagarjuna Oil Corp. Ltd. de construir uma refinaria no sul da Índia. Também anunciou US$ 120 milhões em tanques de armazenamento no local da refinaria.

Outros estão se expandindo nos EUA para lucrar com a necessidade de transportar mais petróleo bruto local. A Vitol comprou participação de 50% na Blueknight Energy Partners, especializada em oleodutos nos EUA. O braço de comercialização da Shell recentemente solicitou licença ao governo dos EUA para exportar petróleo bruto local para o Canadá.

"Enquanto o petróleo estiver sendo transportado entre diferentes regiões do mundo, ainda haverá um nicho para as comercializadoras", diz Andy Lipow, que era operador de petróleo na Vitol e hoje trabalha como consultor em Houston. "O que vai mudar apenas é o rumo do fluxo". (Tradução de Sabino Ahumada)