sexta-feira, 15 de março de 2013

China não vai salvar nem destruir o Brasil

Demanda chinesa por commodity vai cair, mas Kroeber aponta políticas domésticas como entraves ao crescimento brasileiro
 
Por RAQUEL LANDIM - O Estado de S.Paulo
 
Se quiserem manter um crescimento de 7% ao ano, os novos líderes do Partido Comunista da China, que assumiram o governo ontem, precisarão promover uma série de reformas liberalizantes. Eles serão obrigados a desregular o setor financeiro, reduzir o poder das estatais e garantir que os preços da energia sejam fixados pelo mercado.

A avaliação é de Arthur Kroeber - um dos maiores especialistas em economia chinesa - que dirige, em Pequim, a consultoria Gavekal Dragonomics. O desafio, no entanto, não será fácil. "Se a economia desacelerar, eles terão de fazer as reformas, mas os problemas políticos são grandes, porque as estatais são poderosas."

O especialista fez um giro por São Paulo e Rio, reunindo-se com bancos de investimento e representantes do governo. Ele afirma que a economia brasileira "não será salva, nem destruída pela China", mas que o País "precisa aproveitar o bom momento das commodities e investir em educação e infraestrutura, para ter outras fontes de crescimento quando os preços caírem". A seguir, trechos da entrevista ao Estado.

O sr. fez uma palestra em São Paulo sobre o novo padrão de crescimento da China. Que padrão é esse?

Nos últimos 20 anos, a China esteve focada em aumentar a quantidade de capital na economia. Tudo girava em torno disso. Agora, a capacidade de continuar adicionando capital está muito limitada porque já investiram demais. Precisam alterar o foco de investimento para consumo. O meu argumento é que, nos últimos anos, a China está se movendo nessa direção, principalmente por conta das forças de mercado. Agora é necessário apoio das políticas governamentais. O grande ponto de interrogação é se os novos líderes chineses vão adotar as políticas necessárias à transição para uma economia mais amigável ao consumo.

Que forças de mercado estão provocando essa mudança?

Na última década, os juros na China foram extremamente baixos para financiar os investimentos em infraestrutura e indústria pesada. O problema é que os juros pagos pelos depósitos bancários eram inferiores à inflação. Na prática, taxam os consumidores para financiar os investimentos. As pessoas ficaram cansadas disso. Os bancos criaram uma nova classe de produtos, chamados "administração de riqueza", e muitas pessoas colocaram dinheiro nesses produtos. Na essência, isso é liberalização bancária, porque os juros passaram a ser mais direcionados pelo mercado. Outro fenômeno que já ocorre é que as companhias privadas vêm ganhando espaço. É uma guerra entre o setor privado e as estatais protegidas pelos governos central e provinciais. É preciso reduzir a proteção às estatais.

Em quais áreas o setor privado já ganhou mercado e quais isso deveria ocorrer?

O setor privado está bem estabelecido nos bens de consumo, no varejo, no atacado, e nos serviços de menor escala. As estatais são dominantes na indústria pesada (aço, metais e petroquímicos), energia (petróleo, carvão e gás) e nos serviços de larga escala (telecomunicações, aviação, distribuição de energia). Seria útil ter mais participação do setor privado em qualquer área de manufatura industrial, nas telecomunicações e em saúde e educação.

O sr. vê alguma redução do poder das estatais hoje?

Não. E é por isso que a mudança de liderança é tão importante. Nos últimos dez anos, as pessoas que comandaram o governo central deixaram claro que não estavam interessadas em reformas das estatais. A esperança é que a nova liderança tenha um papel mais ativo. Imagino que podem se mover nessa direção, porque a prioridade número 1 é assegurar que a economia cresça pelo menos 7% ao ano. As principais ferramentas que o governo utilizava para administrar a economia chinesa - crédito e investimento - não são mais tão eficazes. O nível de endividamento hoje é muito mais alto, porque, na crise global, a China teve um enorme programa de estímulo. Além disso, até alguns anos atrás, os salários subiam mais lentamente que o crescimento do PIB. Hoje, se o governo expande o crédito e os investimentos, os salários crescem mais rápido que a economia e isso provoca inflação.

O que fazer?

É preciso olhar para as reformas estruturais. Manter a liberalização financeira e restringir as estatais menos eficientes. Se o governo tirar dinheiro das estatais e dar para o setor privado, a economia se dinamiza e o crescimento é maior. Há quatro tipos de reformas que precisam ser feitas. Primeiro, manter e promover a liberalização do setor financeiro. É provavelmente o mais importante. Se os juros subirem, a renda das famílias vai crescer mais rápido e haverá mais dinheiro disponível para o consumo. Segundo, é preciso restringir as estatais e a habilidade dos governos locais de protegê-las. É preciso ter mais competição na economia. Terceiro, é necessário reformar o sistema tributário. Se os governos locais tiverem uma fatia maior de sua renda vinda de serviços e bens de consumo, vão promover essas atividades em vez de usinas de aço e loteamento imobiliário. E a última coisa que precisa ser feita é que os preços que regem a economia - terra, água e eletricidade - tem de ser definidos pelo mercado. Os preços da eletricidade são muito distorcidos na China. Para montar uma usina de aço, a energia é barata.

Há razões políticas que dificultem essas reformas?

Sim. Os problemas políticos são grandes, porque as estatais são poderosas. Muitas pessoas na China estão preocupadas que, talvez, o governo não tenha autoridade suficiente para reduzir o poder das estatais.

Na sua avaliação, a China vai fazer a transição para uma economia baseada no consumo?

A pergunta é se eles vão fazer isso de forma suave ou se será uma transição atribulada. O melhor, obviamente, é uma transição suave, com as reformas sendo feitas. A segunda opção é a economia ter um crescimento muito baixo por dois ou três anos, provocando uma crise, que ajude a promover as reformas. A terceira opção é o investimento cair, o consumo estagnar, mas, mesmo assim, não ocorrerem reformas.

Qual opção o sr. acha que é a mais provável?

O mais provável é o governo fazer as reformas e promover uma transição suave. Mas é uma aposta arriscada, porque a oposição às reformas é grande. Acredito que existe de 50% a 60% de chance de uma transição suave, 30% a 40% de chance de uma crise que gere as reformas, e apenas 10% de chance de estagnação. Para se manter no poder, o Partido Comunista precisa entregar um crescimento alto. Ao contrário de outros países em desenvolvimento, em que o crescimento é um objetivo entre outros, na China, o crescimento é a chave. Logo, se a economia desacelerar forte, eles vão fazer algo.

O Brasil se beneficiou do boom de investimentos na China, porque subiram os preços das commodities. Qual será o efeito da transição da economia chinesa para o País?

Os dias de forte aumento do preço das commodities por conta da China acabaram. Mas, mesmo com a desaceleração, o nível de investimento da China vai se manter alto. Só para dar um exemplo. Boa parte da demanda chinesa por aço vem do setor imobiliário. Entre 2001 e 2010, a China construiu 7 milhões de casas por ano. Neste ano, provavelmente, vai construir 13 milhões. E para reduzir o déficit habitacional precisa continuar construindo 10 milhões de casas por ano. Logo, a demanda por commodities vai se manter alta nos próximos 5 a 10 anos, mas não haverá crescimento de um ano para o outro. O comércio entre China e Brasil cresceu muito rápido. Os consumidores brasileiros ainda vão continuar se beneficiando de produtos baratos vindos da China. Não é bom para as empresas, mas elas precisam se tornar mais competitivas. O mercado consumidor chinês vai se tornar mais diverso e haverá oportunidade para empresas brasileiras encontrarem nichos. É provável que haja um grande crescimento no consumo de alimentos embalados e processados - uma oportunidade para o Brasil.

Mas qual é a tendência para as commodities no longo prazo?

Não é boa. Passados esses dez anos, a demanda chinesa por commodities vai cair e é muito difícil imaginar outro país replicando o nível de consumo da China. A mensagem para o Brasil é a mesma desde que comecei a visitar o País em 2005: a economia brasileira não será salva, nem destruída pela China. Invistam o dinheiro das commodities em infraestrutura e educação para ter outras fontes de crescimento quando os preços caírem. E o que todos vêm me dizendo nesta viagem é que o clima de investimento não é bom no Brasil e que as barreiras às empresas privadas são altas. Chile, Peru e México mantêm taxas de crescimento de 5% a 6%, enquanto o Brasil desacelerou. E isso não tem nada a ver com a China ou com o preço das commodities, mas com as políticas domésticas.