segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Milagre 'Gangnam Style'

Enquanto a América Latina se embaralha, a Coreia do Sul trabalha pela ponta da economia criativa

Marcos Troyjo, Folha de S. Paulo
 

Quando um latino-americano volta da Coreia do Sul, traz consigo admiração e inveja pelo "Milagre do Rio Han". Assim ficou conhecida a extraordinária trajetória de desenvolvimento daquele país nos últimos sessenta anos.

Em 1954, com renda per capita de 70 dólares, a Coreia figurava como 101a. dentre 130 nações num estudo do Banco Mundial sobre riqueza. Desprovida de recursos naturais, era mais pobre que a maioria dos países africanos.

MacArthur, primeiro comandante dos EUA na Guerra da Coreia (1950-53), enxergava horizonte sombrio: "a Coreia não tem futuro. Levará mais de um século para reconstruir-se". Ainda nos anos sessenta, suas principais exportações eram pescados e perucas.

Hoje, o PIB por habitante da Coreia do Sul é três vezes o brasileiro. O país é o quarto produtor mundial de patentes. Navega na melhor banda larga do mundo e conta o maior número de domicílios conectados à Internet. A Samsung vende mais smartphones que a Apple.

Como operaram essa mágica? Geralmente atribui-se o sucesso à prioridade educacional. De fato, a Coreia do Sul tem o melhor desempenho do mundo no exame PISA. 

A parcela da população em idade universitária que frequenta o ensino superior é de 80%, a mais alta do planeta. Suas universidades, com disciplinas crescentemente oferecidas em inglês, estão repletas de estrangeiros.

A ênfase na educação, contudo, deu-se junto a outros fatores. Sacrifício familiar em prol da geração seguinte. Política industrial interdependente dos mercados globais. Planejamento de longo prazo. Conglomerados multissetoriais (os "Chaebols", como LG e Hyundai). Todas essas frentes concorrem para o êxito sul-coreano. E nenhuma tem sido característica das economias latino-americanas.

Até o nome de estruturas governamentais reflete a preocupação dos sul-coreanos com o amanhã. Sua pasta da Fazenda chama-se "Ministério de Finanças e da Estratégia". A da inovação, "Ministério da Ciência, Tecnologia e Planejamento do Futuro".

É mais que um capricho de nomenclatura. A gestão cotidiana da política econômica alinha-se aos objetivos maiores da economia política. 

Daí os 4.2% da riqueza anual direcionados a pesquisa & desenvolvimento, o que faz da Coreia do Sul o pais que mais investe em inovação (setor a que o Brasil destina apenas 1% de seu PIB).

Globalmente competitivos de automóveis a satélites, de semicondutores a estaleiros, os sul-coreanos querem nova transformação -- flexibilizar as estruturas rígidas dos Chaebols para infundir no país um empreendedorismo do tipo "start-up".

Querem um "Milagre Gangnam Style" -- alusão ao divertido vídeo do rapper Psy (mais assistido de todos os tempos no Youtube). Buscam liderança em algo intangível, esteticamente apurado e de consumo global. Apontam para design, moda, medicina individualizada, computação em nuvem e entretenimento.

Enquanto latino-americanos embaralham-se num cartório exportador de commodities, os sul-coreanos trabalham pela ponta da economia criativa do século 21.