segunda-feira, 25 de maio de 2015

A extroversão chinesa tem muitas faces

Pequim projeta para além da Ásia seu interesse nacional, não solidariedade entre emergentes

 
Por Marcos Troyjo
 
 

Se podemos extrair uma conclusão do atual périplo do premiê chinês pela América do Sul, é a de que Pequim deseja projetar o alcance de sua influência para muito além da mera vizinhança asiática. 

Tal irradiação de força econômica tem menos que ver com suposta solidariedade entre potências emergentes; mais com o interesse nacional chinês coincidindo com um quadro de necessidades sul-americanas. 

Não deve haver espaço para qualquer sentimentalismo Sul-Sul. Tampouco cabem análises inocentes quanto a características do modus operandi chinês no âmbito infraestrutural incidirem automaticamente sobre o "tempo brasileiro" na execução de obras.

A China é conhecida por realizar megaprojetos em prazo recorde. A celebrada entrada dos chineses no setor de infraestrutura leva alguns a supor que a partir de agora se pode acelerar a conclusão de projetos que tradicionalmente se arrastam por anos no Brasil. Outros acreditam que a burocracia brasileira ainda é mais forte que a "eficiência chinesa".  

Este sem dúvida é um interessante cabo-de-guerra. Além da conhecida burocracia brasileira, o País ainda tem de operar num contexto de múltiplos atores institucionais – governos federal, estadual e municipal, ministério público, agências reguladoras – complexificado por um forte lobby ambiental e a imprensa livre. 

Embora falta de capital, déficit de liderança ou incompetência gerencial tenham sido determinantes, o imbróglio institucional também contribuiu para inviabilizar na última década um trem rápido no trajeto Rio-São Paulo. Nesse meio tempo, os chineses exponenciaram suas conexões ferroviárias de alta velocidade, como a que interliga em menos de 5 horas os 1.300 km entre Pequim e Xangai em composição de alto luxo – tudo construído ao longo de apenas 39 meses. 

Fala-se muito na Ferrovia Transoceânica. Em obras desse porte, além da construção em si, o que em geral leva mais tempo é o estudo de viabilidade. Como diferentes estudos desta natureza já foram elaborados desde os anos 1970, a dinâmica de implementação da Ferrovia dependerá muito de qual esboço será utilizado como referência. 

Ambientalistas brasileiros já se movimentam contra o projeto. Hoje, no entanto, tecnologias ferroviárias mais avançadas são de pequeno impacto sobre o meio ambiente. País algum do mundo teve seu patrimônio ambiental seriamente ameaçado pela expansão da malha ferroviária. 

No Brasil, então, essa discussão carece de histórico relevante. Há menos quilômetros de extensão ferroviária em operação hoje no Brasil do que nos Estados Unidos  no início da Guerra Civil. Além disso, os líderes do projeto podem constituir fundos específicos a partir da operação lucrativa da linha de modo a que recursos sejam revertidos em prol da sustentabilidade.

Os impactos da Transoceânica podem ser muito positivos na diminuição do custo logístico embutido, sobretudo em commodities agrícolas e minerais. Aqui, para o produtor, a economia pode chegar a 40%, montante passível de ser reinvestido no aumento da produção ou mesmo no componente de maior valor agregado para o produto final. 

Quanto ao período logístico interno no Brasil, estudos mostram que, se alterarmos a composição de nossa pobre infraestrutura multimodal (hoje fortemente concentrada na rodovia) em favor do transporte ferroviário de cargas (mesmo o de baixa velocidade), o tempo dispendido entre o ponto de origem no interior do País até um porto oceânico exportador seria cortado pela metade.
Não se deve tampouco comparar, como fizeram alguns, a evolução do investimento estrutural chinês no Brasil com aquele que os chineses estão realizando na África. Ainda assim, naquele continente, com um quadro de diversidade institucional e de sociedade civil bem menos sofisticado que o Brasil, é patente a tensão "cooperação-conflito" que advém de uma maior participação da China como agente econômico local. 

Em síntese, apesar de uma maior participação da China como fonte de investimentos para o Brasil, não conseguiremos reproduzir o fenômeno dos megaprojetos implementados à velocidade da luz.

Argumenta-se que a eficiência tem muito que ver com violações de direitos humanos e exploração de mão-de-obra. Vale ressaltar que, embora seguramente continuem a existir, essas violações estão bem menos intensas hoje do que durante o período de grande arremetida chinesa baseado no modelo de nação-comerciante.  

Nesse grande intervalo que vai de 1978 (início das reformas implementadas por Deng Xiaoping) a 2013 (chegada de Xi Jinping à cúpula do poder chinês), houve sem dúvida uma grande administração artificial da remuneração dos fatores de produção, e particularmente do fator "trabalho", de modo a incrementar ainda mais a competitividade dos produtos chineses. Mas este é um fenômeno que já estancou. Hoje não há tanta diferença, por exemplo, no salário pago na manufatura em termos de homem-hora entre as economias mexicana e chinesa.  

O itinerário de Li Keqiang pela América do Sul também o leva a Colômbia, Peru e Chile. O que ele quer fazer lá? 

Num primeiro exame, vê-se que o interesse chinês nesses três países reproduz o padrão maior das relações China-América Latina. Por um lado, exportações de bens manufaturados chineses, com cada vez mais componentes de alta tecnologia, e, por outro, oferta assegurada por parte da América Latina à China de bens primários. 

Tais nações, no entanto, apresentam um desafio a mais para Pequim. Todas estão engajadas, junto com o México, na chamada "Aliança do Pacífico", bloco latino-americano orientado não às antigas teses de substituição de importações, mas à promoção de exportações. 

Dois deles (Peru e Chile), juntamente com México e outros países de Ásia e Oceania, estão na chamada Parceria para Comércio e Investimento do Pacífico (TPP), o que traz desafios geoeconômicos distintos de uma perspectiva de Pequim, que também deseja negociar uma grande área de cooperação econômica para o Pacífico, a ALCAP (Área de Livre Comércio da Ásia-Pacífico). 

Esta, ao menos da boca para fora, foi a grande iniciativa de Xi Jinping durante a reunião de cúpula da APEC (Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico) realizada na capital chinesa em novembro último. Com ela, somada ao marcado interesse na África e na América Latina, a China dá provas definitivas de que sua extroversão no mundo tem múltiplas faces.