Caos se instala quando elites complacentes operam na falência múltipla de instituições
Por
MARCOS TROYJO
O crescente mal-estar com o estado de coisas no Brasil tem levado as pessoas a perguntar: "como termina essa crise?" "O Brasil sai dessa?" "Quando acaba esse inferno?"
No exterior, queixos caem com a velocidade da transição do hiperentusiasmo com o país ao atual desencantamento. Para os que comparam as nações por seus atributos de poder, prosperidade e prestígio, o Brasil deixou rapidamente o céu da euforia rumo ao inferno do desalento.
Nos anais da triste história mundial de malogros endógenos, o Brasil não está sozinho – tampouco figura entre os casos mais graves.
Apenas para ficar nos últimos cem anos, é fácil concluir que fracassos e desastres a acometer diferentes nações, em variadas escalas, resultam sobretudo da autossabotagem.
O nacional-populismo é, há um século, o grande vilão da prosperidade corroída na Argentina.
A ascensão do totalitarismo na Itália e na Alemanha nos anos 1920-30 não resultou de um vírus externo "plantado" naquelas sociedades, mas da adesão de povo e elite àqueles abjetos sistemas de poder.
Quando o Japão militarista enxergou em possessões francesas, britânicas e holandesas escassamente protegidas no Pacífico uma "oportunidade dourada" para seu expansionismo, poucos japoneses levantaram-se em oposição.
A Revolução Cultural na China paralisou o país por uma década e subtraiu-o de alguns de seus melhores talentos. Estratagema de demônios estrangeiros? Não, das profundezas da mente de Mao.
A atual propulsão brasileira a caminho do inferno alimenta-se de cinco combustíveis.
O primeiro: má gestão macroeconômica que, com a "Nova Matriz", abalou alicerces da estabilidade monetária e fiscal e agora coloca o país às portas de perder o grau de investimento.
O segundo: miopia na estratégia de inserção internacional, centrada no protecionismo comercial e na diplomacia "Sul-Sul". Não trabalhamos para ingressar nas redes globais de valor e, com isso, aumentar nossas exportações. Álvaro Fagundes e Renata Agostini mostram nesta Folha que, num ranking de 150 países compilado a partir do percentual do PIB representado por exportações, estamos à frente apenas de Afeganistão, Burundi, Sudão, República Centro-Africana e Kiribati.
O terceiro: inoperância da economia política Estado-capitalista. Hipertrofiou-se a presença estatal como formadora da demanda, financiadora de setores privilegiados e instância empreendedora. E essa onipresença estatal deu-se, compreensivelmente, na ausência de urgentes reformas microeconômicas.
O quarto: propinodutos nas estatais e seus efeitos colaterais – as terríveis e inevitáveis consequências paralisantes para a atividade econômica da guerra à cleptocracia.
O quinto: o pronunciado e lamentável deficit de liderança pública.
Contudo, no atual caos brasileiro não há, de forma ampla, o mais perigoso dos alinhamentos malignos – e de que o século 20 está repleto de exemplos.
As nações só descem realmente ao inferno quando elites plenamente complacentes com o poder dirigente operam no vácuo da falência múltipla de instituições.
No Brasil, nem toda a elite é parasitária do poder de ocasião. E muitas instituições, da imprensa ao Judiciário, encontram-se em pleno vigor.
Sartre dizia que o inferno são os outros. O Brasil não pode argumentar o mesmo. Suas agruras são majoritariamente fruto dos próprios pecados.
Por isso, sua redenção –"sair dessa"– é algo que não depende do cenário internacional.
Evitar o inferno deriva tão somente do funcionamento das instituições e do grau de patriotismo da parte mais iluminada da elite brasileira.