quinta-feira, 24 de setembro de 2015

"O Brasil é o grande Hamlet do mundo moderno"

Marcos Troyjo |Diretor do BRICLab da Columbia University

Entrevista à revista Istoé Dinheiro

Por Márcio Krohen

Ser ou não ser, eis a questão. A frase da peça de William Shakespeare é a melhor tradução do Brasil, segundo o economista e diplomata Marcos Troyjo. O diretor do centro de estudos específicos para os países que fazem parte do acrônimo BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – na Universidade Columbia, em Nova York, diz não enxergar claramente o que o País quer para o seu futuro. "O Brasil é um complexo de posições que o fazem incompreensível para quem quer fazer negócio", diz ele. Entre agosto e setembro deste ano, Troyjo passou 20 dias na China, em sua 12ª visita ao país do presidente Xi Jinping. "Na minha primeira viagem, a China sabia muito bem o que queria do mundo e o que era preciso extrair para o seu grande projeto", afirma. "Agora, cada vez mais, a China sabe o que ela quer para o mundo." De dentro da Muralha vermelha, Troyjo tentou compreender o que é a crise chinesa e como seus governantes e empresários avaliam a situação atual do Brasil. As críticas, no entanto, não bloquearam a estrada de oportunidades. "Os chineses estão loucos para aproveitar os bons preços das empresas brasileiras, que ganharam atratividade por conta da defasagem do real", diz ele.

DINHEIRO – O que se vê apenas dentro da China, que não se vê de fora?
MARCOS TROYJO – A primeira observação é de que estamos acostumados a observar que o milagre econômico chinês deixou as pessoas mais prósperas, que elas passaram a viajar e conhecer outras realidades e que, portanto, a fórmula do sucesso do seu crescimento será o da derrocada do regime fechado. No entanto, a lógica de que os chineses vão começar a demandar mais democracia e mais liberdade não é verdadeira. O ex-cônsul do Brasil em Xangai, Marcos Caramuru, é quem consegue interpretar melhor a China por dentro. Ele diz que os chineses não têm a menor paciência para as ineficiências da democracia. A segunda observação é uma mudança de fases na China. Visito o país há 12 anos. Em 2004, na minha primeira viagem, a China sabia muito bem o que queria do mundo, sabia o que era preciso extrair do mundo para seu grande projeto. Agora, cada vez mais, a China sabe o que quer para o mundo. Ela, por exemplo, vai flertar cada vez mais com experimentos de conversibilidade internacional da sua moeda, com transações comerciais em yuan. É um país que está se expandindo em outros atributos, não apenas no econômico. Está nascendo uma superpotência, que já é econômica, mas vai transbordar para outras esferas das relações internacionais.

DINHEIRO – Como o Brasil pode se beneficiar dessa nova China?
TROYJO – Ao contrário do que se imagina, a China continua cheia de oportunidades para o Brasil, que tem uma presença ínfima no país. A promoção que os brasileiros fazem na China é nenhuma. Incluem-se aí desde empresas, associações patronais do comércio e das indústrias até a Apex, que faz um bom trabalho com um escritório, mas, que precisaria estar em mais lugares e de forma mais presente. Os chineses têm um jeito de fazer negócio baseado no encontro pessoal, de sentar para jantar e saber quem você é. É preciso investir tempo e foco na conquista do mercado chinês, seja como destino de exportações ou como atração de investimento estrangeiro direto. Os chineses estão loucos para aproveitar os bons preços das empresas brasileiras, que ganharam atratividade por conta da defasagem do real. Eles querem entrar na onda de fusões e aquisições. Então, este é o momento dourado para as empresas que estão buscando um sócio ou um aporte de capital.

DINHEIRO – Por que a China ainda é vista pelos empresários apenas como uma válvula de escape para os altos custos no Brasil?
TROYJO – De cada dez visitas que o empresário brasileiro faz à China, nove são para buscar outsourcing. O empresário fabrica no Brasil, mas não aguenta mais a carga tributária e quer produzir na China. Obviamente que isso se tornou mais difícil nos últimos 18 meses, pelo colapso do real, mas a atração de investimentos brasileiros na China é pequena. Das 15 maiores economias do mundo, aquela que tem o menor coeficiente de exportações e importações em relação ao PIB é o Brasil. Mas, na atração de investimento estrangeiro direto, que neste ano vai ser ruim, o País vai melhor. Nos últimos 10 anos, ficou entre o quinto e o sexto lugares. Agora, virá outra qualidade de investimentos diretos, que são aqueles que buscam associação. Para isso, temos de mostrar quais são as oportunidades. O Brasil não está fazendo isso.

DINHEIRO – O Brasil continua sem saber o que quer ser?
TROYJO – Creio que o Brasil é o grande Hamlet do mundo contemporâneo: a questão do ser ou não ser. Não sabemos se somos uma sociedade que quer continuar no capitalismo latino-americano, à la Venezuela ou Argentina, ou se queremos ficar mais parecidos com os países da Aliança do Pacífico, como México ou Chile. Tivemos uma atitude de colocar obstáculos nas tratativas comerciais americanas, de 2004 a 2012. Agora, parece que queremos voltar a namorar os americanos. Quer dizer, não é a ausência de posições, é um complexo de posições confusas que deixa o Brasil pouco compreensível para quem quer fazer negócio conosco.

DINHEIRO – Como o País está sendo visto de fora?
TROYJO – Todos reconhecem que se olhar na mesa de comando, com as soluções, é possível reverter a expectativa sobre o Brasil de maneira muito rápida. O problema é que essas boas soluções técnicas, de como deixar o País num bom caminho, têm um peso de papel por cima, que é a falta de credibilidade política. Como não temos o cimento político, não conseguimos ajustar a política econômica e, com isso, não mexemos nos pilares mais profundos, que é a economia política. Sem isso, não temos como aumentar o percentual do PIB para pesquisa e desenvolvimento, ampliar o coeficiente do comércio exterior, abrir setores e mudar o foco da política industrial, entre outros fatores. Os próximos 24 meses serão de grande provação para o País.

DINHEIRO – O que os chineses falam sobre o Brasil?
TROYJO – O discurso chinês não é polifônico, como nos EUA e na Europa. Na China, as opiniões para o Brasil são mais simples e menos diversificadas. A ideia de que o Brasil está passando por dificuldades temporárias, e que vai superá-las, é muito pautada pelo interesse de Pequim, que quer manter uma aliança-econômica que irá além do curto prazo. Agora, quando se conversa com outros agentes de mercado, como diretores de departamentos de pesquisas das universidades, está todo mundo muito decepcionado com o Brasil. Porque se imaginava que, como qualquer outro lugar do mundo, o País conseguiria promover algum tipo de reforma estrutural, como, aliás, os chineses estão fazendo, para mudar o DNA da economia e se adaptar aos novos tempos. Mas minha impressão é de que esses grandes investimentos, sobretudo em infraestrutura, como os anunciados na visita do premiê Li Keqiang ao Brasil, neste ano, vão acontecer.

DINHEIRO – Há uma expectativa grande, embora exista a impressão de que os chineses não cumprem com seu papel de investidor nos parceiros emergentes.
TROYJO – O que é interessante é que essas decisões de investimento da China são menos resultado do desempenho econômica interno, sobretudo no Brasil, e muito mais em função do interesse chinês. É como se, em primeiro lugar, viesse a necessidade de garantir a segurança alimentar, e da cadeia de produção como um todo. Por outro, essa história de que a demanda chinesa pelas commodities minerais está arrefecendo, é bobagem. A demanda chinesa continua muito aquecida porque a China precisa multiplicar por quatro vezes a infraestrutura que tem. Não há uma superprodução, mas um excesso, que levou ao barateamento das commodities minerais. Mas os chineses estão dispostos a fazer chover dinheiro em infraestrutura para garantir acesso ao que precisam. Portanto, esses investimentos virão para o Brasil. O que pode atrasar um pouco é o fato de que os próprios chineses estão ficando com a economia mais sofisticada e querem entender melhor o que está acontecendo com eles próprios. Seguramente, tiveram dificuldade para compreender a montanha-russa da Bolsa de Xangai. Eles estão prudentes.

DINHEIRO – O que é essa nova China?
TROYJO – A China era, para o mundo, um grande trampolim de exportações e a grande fábrica global. Hoje, o país está em quatro frentes interessantes: continua como o maior exportador do mundo, passa a ser uma fonte de energia direta, o grande financiador do desenvolvimento e a demandar a liderança nos segmentos econômico-financeiros. Em vez de reformar o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial, por exemplo, a China está liderando a criação do banco asiático de infraestrutura, bem como o fundo da rota da seda para investimento na sua vizinhança, e é a protagonista do Banco dos Brics.

DINHEIRO – Como é possível interpretar as crises recentes da China?
TROYJO – Esse movimento da bolsa de valores é de difícil explicação, embora eu entenda que a China ter depreciado o câmbio unilateralmente é pior para a economia do mundo do que esse vai-e-vem dos índices da Bolsa de Xangai. A bancarização e o mercado de capitais na China têm um grau de internacionalização muito inferior ao das outras economias que fazem parte do G20. Os chineses dispõem de muitas ferramentas para combater as crises de liquidez, se é que elas já estiveram no mapa de uma maneira substantiva, e não apenas são reflexo de pânico de um ou outro movimento. A China conta com quase US$ 3,7 trilhões em reservas cambiais. Agora, como a absoluta prioridade do governo chinês é manter a taxa de desemprego baixa, num momento em que ocorre a transição para o modelo de consumo, o país se apega naquilo que conhece e sabe fazer, que é exportar. A China ultrapassou a Alemanha como principal exportador mundial, em 2009 e, desde 2013, é a maior exportadora e importadora global. Ela, mais uma vez, pegou o caminho do comércio exterior, mesmo porque o principal destino para as suas exportações são os EUA, uma economia que voltou a crescer. É muito impactante para o mundo essa mudança na política cambial chinesa, de valorização constante do yuan.