segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O Brasil está sem GPS

Marcos Troyjo, professor da Universidade Columbia, fala sobre os desafios do Brasil no mercado global

Por Rachel Cardoso

Assim como todo empreendimento precisa de planejamento para se manter no mercado, o Brasil demanda um plano de negócios com uma visão a longo prazo. A avaliação é do economista Marcos Troyjo, diretor do BRICLab, um centro de estudos sobre Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC), da Universidade Columbia em Nova York. Para ele, falta elenco no governo para endireitar a economia política. "Como no futebol, não é só o esquema de jogo que conta, mas também quem são os jogadores", diz. Nesta entrevista, ele analisa o papel do Mercosul, o futuro dos BRICs e situa o País no cenário global, que, mesmo em dificuldade, ainda é o quinto maior destino de investimentos estrangeiros diretos. " O problema é que não sabemos tirar proveito disso"

Hoje, no Brasil, o termo mais repetido é ajuste fiscal, já que o País vem gastando mais do que arrecada, ocasionando um déficit em suas contas internas. Mas para o economista Marcos Troyjo, os problemas nacionais vão muito além disso. O exemplo mais claro é a completa inadequação da legislação trabalhista, completamente ultrapassada e contrária ao que atualmente se faz no mundo. Para ele, é preciso uma ampla reforma, e não só na política econômica, mas também na economia política, que, em geral, são interpretados como sinônimos, mas que na realidade são bem diferentes. "Política econômica é a maneira pela qual você aborda o câmbio, trata a questão de juros, cuida da responsabilidade fiscal. Economia política é quanto do PIB vai ser direcionado por ano para pesquisa, desenvolvimento e inovação, quanto se deseja tornar do PI B meta de exportações e quanto do quociente de inovação se quer que venha do setor privado e por aí vai", comenta Troyjo nesta entrevista. Ele explica que nenhum país do mundo reformou a sua economia e a sociedade sem mexer na economia política. Às vezes, isso acontece de forma muito traumática. O Japão e a Alemanha, por exemplo, saíram destroçados da Segunda Guerra Mundial, mas, depois se reinventaram como nações exportadoras. "A transformação ocorre em três níveis: tático, estrutural e estratégico. E isso demanda projetos de  longo prazo", afirma. "Está faltando ao Brasil o que poderíamos chamar de um plano de negócios, ou plano de nação", ressalta.

 

Até que ponto a retomada do Brasil está atrelada ao mercado internacional?

Os grandes desafios do Brasil passam necessariamente por reformas estruturais internas que preparem o País para as oportunidades externas. Aliás, esse não é um obstáculo atual, mas um problema característico do Brasil. Excluídos os ciclos exportadores de commodities, mais especificamente da monocultura da exportação – de minerais, da borracha, do café e da cana-de-açúcar –, percebemos que é raro o momento em que o Brasil teve mais de 25% do PIB proveniente de exportações e importações. Isso quer dizer que se tem uma crise lá fora, nós não deveríamos sofrer com isso, porque somos pouco dependentes. Apesar de toda essa propagada dependência que o Brasil tem em relação à economia chinesa [o País exporta cerca de US$ 4o bilhões por ano para a China], percentualmente não impressiona quando se fala de uma economia como a brasileira, de US$ 2,5 trilhões. Outro ponto é que o mercado externo continua líquido para investimentos de portfólio. Como o Brasil pratica uma das mais altas taxas de juros do mundo, e levando em conta a média das taxas de juros exercidas pelos bancos centrais dos países mais desenvolvidos, isso significa que o País supostamente deveria ser uma verdadeira bomba de sucção de liquidez financeira. E, aliás, em certo sentido é, já que muitos têm vindo para cá passar um tempo ganhando os benefícios de uma Selic que está nas alturas.

 

O senhor quer dizer especular?

Sim. Não tenho nada contra especular, o problema é o que será feito, qual a estrutura para atrair por mais tempo esse tipo de capital. Quando se olha para investimentos estrangeiros diretos, vê-se que o Brasil ainda é o quinto maior destino desses recursos no mundo. Mesmo em ano difícil como foi 2014, o Brasil recebeu mais de US$ 60 bilhões de investimentos. O problema é você tentar entrar no meandro.

 

Por que isso é um problema?

Muito do que recebemos de investimento estrangeiro direto não chega aqui para fazer do País o elo de uma cadeia de produção global, porque temos regras muito fortes de controle local. É aquilo que chamo de uma "política de substituição de importações 2.0". Nos anos de 1940 e 1950, a substituição de importações significava ter um empresário nacional fazendo a mesma coisa; hoje significa ter uma empresa no Brasil fazendo a mesma coisa. Não temos nada contra a titularidade estrangeira, mas é preciso gerar impostos e empregos aqui. Agora, isso se faz de uma maneira muito cara como política industrial e política comercial. Vamos citar o exemplo do navio de transportes Aframax. Digamos que o preço internacional desse veículo é de cerca de US$ 70 milhões. Nos últimos 12 anos, porém, a Petrobras pagava US$ 125 milhões desde que 65% desse barco fossem produzidos no Brasil, o que é um preço muito alto para a sociedade. Nesse caminho, vamos ao contrário do que está acontecendo em outros países muito mais interligados com a economia global. O investimento de portfólio, mais uma vez, não está vindo ao Brasil pela solidez da nossa economia, mas pelas altas taxas de juros. Em relação ao comércio, se é verdade que nesses últimos meses temos conseguido acumular algum superávit comercial, isso não significa que as nossas importações estão dinâmicas. Estamos importando menos. O Brasil está sem estratégia de comércio exterior.

 

Então estamos sem rumo? Quais seriam os caminhos para a retomada?

Acho que essa ideia de estar perdido é boa maneira de descrever nossa situação. Estamos sem bússola, sem GPS. Isso é terrível. Às vezes, utilizamos determinados termos como se fossem sinônimos – ajuste, reforma ou correção –, mas, na realidade, esses termos querem dizer coisas muito diferentes. Por exemplo, por que se fala em ajuste fiscal? Porque o Brasil entrou numa trajetória de aumento de gastos públicos incompatíveis com suas receitas. Então, o ajuste fiscal traz as despesas um pouco para baixo e tenta colocar as receitas um pouco para cima, com o objetivo de buscar estabilidade. Mas, mesmo com esse equilíbrio, continuamos com problemas, vide a completa inadequação da legislação trabalhista ao que hoje se faz no mundo. Temos uma legislação dos anos 1930. Ninguém decola num avião dos anos 1930. As coisas mudaram. Mais uma vez, é bater no óbvio. Precisamos de reforma e não é só na política econômica, mas também na economia política. Geralmente, fala-se como se fossem sinônimos, mas são coisas bem diferentes.

 

Qual é a diferença?

Política econômica é a maneira pela qual você aborda o câmbio, trata a questão de juros, cuida da responsabilidade fiscal. Economia política é quanto do PIB vai ser direcionado por ano para pesquisa, desenvolvimento e inovação; quanto se deseja tornar do PIB meta de exportações; quanto do quociente de inovação se deseja que venha do setor privado e por aí vai. O modelo de economia política, em minha opinião, é muito mais importante do que essas questões táticas.

 

E como reformar a economia política?

Nenhum país do mundo reformou a sua economia e a sua sociedade sem mexer na economia política. Às vezes, isso acontece de forma muito traumática. Japão e Alemanha, por exemplo, tomaram um choque internacional com a política para a Segunda Guerra Mundial e, depois, se reinventaram como nações exportadoras. A China passou por um processo de enclausuramento que teve na Revolução Cultural nos anos 1960 e 1970 o seu ápice e depois passou por uma abertura controlada, mas muito vinculada com o comércio exterior. A transformação ocorre em três níveis: tático, estrutural e estratégico. Isso demanda projetos de longo prazo. Há alguém no Brasil pensando isso? Não sei. A história mostra que as grandes mudanças de paradigma vêm por meio de um entendimento de elites e, hoje, as nossas estão muito mais preocupadas com o curtíssimo prazo, com a resolução do problema político, do ajuste, do que com outras camadas, são mais transformadoras da realidade brasileira. Está faltando ao Brasil o que poderíamos chamar de um plano de negócios, ou plano de nação.

 

O programa Brasil Maior não caminha nesse sentido? O que deu errado?

Quem é o grande financiador desse programa? É o Estado. Quem é o grande formador da demanda, o tomador de pedido desse programa? É o Estado. Quais são as empresas que supostamente vão capitanear a questão do Brasil Maior, mais especificamente o tema da revolução tecnológica, da inovação? É o Estado. Hoje, vivemos uma situação em que a empresa que mais investe em ciência e tecnologia no Brasil, em pesquisa, desenvolvimento e inovação, é a Petrobras, uma estatal. A melhor coisa que se poderia fazer neste momento é o Estado sair da frente

 

O intervencionismo é ruim?

O Estado ainda é muito intervencionista e isso atrapalha. Acabamos demandando muito nessa história de que quem vai fazer inovação é um iluminado, um ser que vai ocupar o Estado durante algum tempo e que vai virar o jogo. Precisamos escrever uma peça em que o protagonista não seja o Estado.

 

E o Plano Nacional de Exportação, qual a sua avaliação?

Há elementos para dizer que retrocedemos e elementos para dizer que evoluímos. Se olharmos a composição orgânica da pauta de exportações, continuamos semelhantes aos anos 1970, com bens agropecuários, matérias-primas e commodities minerais. Isso se expressa no comércio lateral com a China. Uma tonelada de produtos chineses exportados para o Brasil vale US$ 3 mil, uma tonelada de produtos brasileiros exportados para a China vale US$ 180. É uma diferença brutal. Isso porque um quilo de minério de ferro custa US$ 0, 50; um quilo de computador custa US$ 500; um quilo de satélites custa US$ 50 mil. Aqui no Brasil se diz que é um problema cambial, mas há muitas outras coisas. O Brasil não tem acesso privilegiado aos grandes mercados compradores do mundo. O País não negociou acesso privilegiado com os EUA e a Europa. Mas só o acesso não basta, você tem de reorientar a política de remuneração dos fatores de produção para ganhar competitividade internacional.

 

A relação com os Estados Unidos, depois dessa visita da presidente Dilma, melhora?

O problema é que os Estados Unidos são uma sociedade tão complexa que, por vezes, mesmo uma empatia de dois chefes de governo não gera necessariamente benefícios no campo comercial ou de investimentos. No campo comercial, por razões de lá e de cá. Quais são razões de lá? No rito americano, você precisa que o Congresso ofereça ao presidente a chamada autoridade para a negociação comercial. É pouco provável que neste ano e meio que falta para o fim do governo Obama, ele venha consumir capital político para obter um mandato desse para negociar com o Brasil, uma economia que está em recessão.

 

O Mercosul tem sobrevida?

Depende de qual Mercosul. O Mercosul dos anos 1990 era uma plataforma progressiva de liberalização comercial – este tem. Agora, o Mercosul hoje é um clubinho político que emite comunicados acerca dos males do mundo. Este tem futuro? Também tem, só que ele gera benefício muito pequeno para a sociedade. Não precisamos, no âmbito do Mercosul, emitir posições conjuntas sobre o contencioso Rússia e Ucrânia ou sobre "o sexo dos anjos", precisamos liberalizar o comércio.

 

Que avaliação você faz dos BRICS?

Os BRICs passam agora pela sua "segunda idade". Não vou dizer que os "BRICs 1.0" deixaram de existir, mas dois deles – Brasil e Rússia – estão em "crise existencial" e dois deles estão mais dinâmicos, China e Índia. Pequim continua com crescimento impressionante, embora menor que no passado, ainda assim acho que será a maior economia do mundo daqui a uma dé- cada. Na Índia, há setores de altíssima competitividade e uma sociedade muito desigual, com uma parte da população que vive com menos de US$ 2 por dia e muitos bilionários. Mas é um mercado que tem uma conjunção de fatores muito positiva. O primeiro-ministro Narendra Modi chegou ao poder com um discurso muito pró-negócios, o que gerou entusiasmo. Ele criou um programa chamado Make in India (e não made), quer dizer, "venha fazer a Índia". Se ele terá sucesso, vai depender de uma série de fatores, mas acho que está no bom caminho. [ ]


Revista CONSELHOS* 
No. 33, outubro-novembro de 2015, págs 64-71
*Publicada pela FECOMÈRCIO-SP