quinta-feira, 11 de março de 2010

Resenha do livro:”This Time is Different”

No interessante livro “This time is Different“, Ken Rogoff e Carmen Reinhart, dois acadêmicos de peso (Rogoff é ex-economista chefe do FMI), compilam e analisam dados sobre calotes soberanos e crises bancárias desde 1800, para um total de 66 países. Trata-se de um verdadeiro trabalho de arqueologia econômica para o qual eu recomendo a leitura. Os autores mostram vários fatos estilizados interessantes e enfatizam a síndrome do “dessa vez é diferente”, realçando historicamente o otimismo infundado dos policymakers, que ao longo dos séculos, sempre conseguem costurar argumentos para defender que o ciclo de expansão do crédito presidido por eles é propulsionado por fundamentos, e não terminará em bolhas.

Indo para os pontos empíricos principais do livro:

Intolerância à dívida (o termo vem da tal intolerância ao leite): os autores mostram que países emergentes suportam níveis de endividamento externo bem menores que os desenvolvidos. O limite do endividamento saudável é realmente muito baixo, na casa dos 40% do PIB. Acima disso, o calote é quase certo. Mais ainda, demora muito tempo para que um país se torne “tolerante” à dívida: a evidência é que se são necessárias décadas sem dar calote. Ou seja, em termos práticos, em um mundo onde grassa assimetria informacional, é de bom alvitre conter o nível de endividamento externo. É interessante notar também que nos emergentes, os calotes nesses dois séculos ocorreram invariavelmente após quedas das commodities (e a alta do endividamento vinha com o boom das commodities).

Atividade e default: o calote vem depois de uma queda continuada de alguns anos no PIB. Nós economistas estamos acostumados a olhar apenas a causalidade contrária, aquela correndo do default para o PIB, mas o ponto dos autores é que o default só ocorre depois de um período longo de atividade econômica ruim (principalmente no caso do calote sobre a dívida interna, que ocorre menos vezes).

Crise bancária e crise de dívida soberana: na maioria dos casos documentados por R&R, a crise bancária, causada via de regra por afrouxamento excessivo da legislação (como dessa vez!), é seguida de uma crise de dívida soberana, pelos motivos óbvios: mais gastos sociais, salvamento dos bancos e queda forte da arrecadação levam a endividamentos explosivos. Exatamente como vemos agora. O problema é que a dívida soberana alta trava o crescimento econômico devido a três motivos: crowding-out nos mercados de crédito (o governo rouba espaço de quem quer pegar dinheiro emprestado para investir na produção), risco de distúrbios econômicos vários que geram incerteza, e expectativa de impostos futuros mais altos (afinal de contas, a conta precisa ser paga alguma hora).

A ilusão da saída via crescimento: seria ótimo sair da lama do endividamento via crescimento, mas isso é historicamente raro. Apenas em período de pós-guerra essa dinâmica tem peso importante. Na grande maioria dos casos, ocorre alguma espécie de calote ou renegociação. A inflação também é sempre acionada quando a dívida sobe muito. Curioso é que a inflação sobe mesmo em crises de dívida externa. A idéia, sugerem os autores, é que os governos nesses momentos de estresse fiscal precisam reduzir seu endividamento total, externo e doméstico, e a surpresa inflacionária ajuda a dar uma reduzida na dívida doméstica em termos reais (quando essa não é totalmente indexada). Portanto, esperemos sim reestruturações de dívida nos próximos anos, e possivelmente inflação mais alta em alguns cantos.

Fluxos de capitais e crises: em todos os países, desenvolvidos e não, crises bancárias em geral foram precedidas por grandes entradas de capitais (=conta corrente fortemente negativa). Na América Latina dos anos 80 e 90 foi assim, nos EUA agora foi assim, etc. A propósito, não existe evidência sólida de que fluxos de capitais plenamente livres ajudem no crescimento de longo prazo em todos os casos, como enfatizam alguns ortodoxos mais chapa-branca. Isso só é verdade para o caso do comércio internacional de bens e serviços, não para fluxo de capitais. Para que esses gerem mais benefícios do que problemas, é necessário que o desenvolvimento institucional do país seja razoável e que a regulamentação bancária não seja frouxa (como a dos EUA!!).

Fonte: Época - Sob a lupa do economista