segunda-feira, 8 de março de 2010

Retaliação aos EUA inclui trigo, algodão e carros

Por Raymond Colitt

O governo brasileiro divulgou nesta segunda-feira a lista de produtos norte-americanos, incluindo algodão e trigo, sujeitos a aumento de tarifa de importação como retaliação em uma antiga disputa envolvendo os subsídios norte-americanos ao algodão, mas afirmou que Washington ainda tem uma chance de resolver a questão através de negociações. Essas medidas entrarão em vigor 30 dias após a data de publicação, a não ser que os dois países alcancem um acordo de última hora.

De acordo com informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a lista representa 591 milhões de dólares de um total de 829 milhões a que o Brasil teria direito. Os 238 milhões de dólares restantes seriam aplicados nos setores de propriedade intelectual e serviços, em forma ainda a ser definida.

A tarifa sobre as importações de trigo (com exceção do trigo duro ou para semeadura) passa de 10 por cento atualmente para 30 por cento.

Já a tarifa sobre o algodão cardado ou penteado será de 100 por cento, ante 8 por cento atualmente. O algodão simplesmente debulhado também terá tarifa de 100 por cento, contra 6 por cento atuais. Essas são as tarifas mais altas na lista, incluindo produtos derivados.

A lista inclui ainda muitos produtos de beleza, como cremes e xampus, cujas tarifas aumentam de 18 para 36 por cento. Já frutas como nozes, uvas, peras, cerejas e ameixas terão a tarifa ampliada de 10 para 30 por cento.

Entre os produtos que constam da lista publicada no Diário Oficial da União, estão ainda metanol (de 12 para 22 por cento), medicamentos contendo paracetamol (exceto em doses -- de 14 para 28 por cento), leitores de códigos de barras (de 12 para 22 por cento), fones de ouvido (de 20 para 40 por cento) e óculos de sol (de 20 para 40 por cento).

Também foram incluídos vários tipos de automóveis, com tarifas subindo de 35 para 50 por cento.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) autorizou em novembro o Brasil a impor sanções sobre produtos dos EUA, como punição aos excessivos gastos de Washington para subsidiar cotonicultores e também por causa de um programa de garantias para créditos a exportadores.

Os EUA afirmaram estar decepcionados com a medida, de acordo com uma porta-voz da Representação de Comércio dos EUA (USTR) .

"O USTR tem trabalhado visando alcançar uma solução para as questões nessa disputa sem o Brasil recorrer a contramedidas e continuamos preferindo uma solução negociada".

O secretário de Comércio dos EUA, Gary Locke, visitará o Brasil na terça-feira e pode tentar alcançar uma resolução à questão.

O comércio bilateral entre os dois países caiu para 36 bilhões de dólares em 2009, ante 53 bilhões em 2008.

A disputa comercial começou em 2002 e é uma das poucas em que a OMC autorizou uma retaliação cruzada, ou seja, a parte prejudicada pode retaliar contra um setor não envolvido na disputa.

"A retaliação não é a melhor maneira de conseguir um comércio internacional justo, mas após quase oito anos e nenhuma proposta concreta para resolver essa disputa, o Brasil tem que insistir em seus direitos", disse Lytha Spíndola, secretária-executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), em entrevista à imprensa.

PROPRIEDADE INTELECTUAL

O Brasil deve publicar até 23 de março a lista separada de retaliação cruzada. Essa lista estaria sujeita a audiências públicas por 20 dias e se concentraria em propriedades intelectuais e serviços, disseram autoridades do ministério, o que pode quebrar patentes e outros direitos de propriedade intelectual na indústria de música ou farmacêutica, de acordo com analistas.

O Brasil escolheu intencionalmente uma série de produtos com aumentos de tarifas relativamente pequenos visando impactar uma variedade grande de produtores nos EUA.

"A idéia foi distribuir a retaliação de maneira ampla para maximizar a pressão. Os subsídios agrícolas dos EUA são condenados mundialmente...essa prática arcaica têm que parar", disse Carlos Marcio Cozendey, chefe de Assuntos Econômicos do Itamaraty.

Os Estados Unidos podem decretar mudanças parciais, mas uma reforma maior aos programas de algodão vão exigir a aprovação do Congresso norte-americano, o que pode ser difícil e demorado.

O Brasil pode aceitar uma proposta dos EUA com uma garantia de enviar um projeto de reforma ao Congresso se for compensado por danos até a aprovação.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) sugere "como solução adequada para se evitar a retaliação, o oferecimento de compensação temporária significativa ao setor cotonicultor, e a outros setores brasileiros condicionados ao compromisso de implementação integral", disse a entidade em nota.

"Está nas mãos do governo americano realizar um gesto que demonstre compromisso com as regras internacionais de comércio", disse Paulo Skaf, presidente da Fies.

A OMC garantiu anteriormente a dois outros países o direito de retaliação cruzada em disputas comerciais, mas o Brasil seria o primeiro a aplicá-lo.

(Com reportagem adicional de Camila Moreira em São Paulo e Doug Palmer em Washington)