terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Céu de brigadeiro no mercado aéreo do País

Por Lilian Primi, estadao.com.br

Se encontrar engenheiros está difícil, para o setor aéreo é
impossível. O Brasil forma pouco mais de 70 engenheiros aeronáuticos
por ano, mas precisa de 150. E também de outros 120 especializados em
engenharia espacial, para atender à demanda do Programa Nacional de
Atividades Espaciais (PNAE).

A engenharia aeronáutica compete com a eletrônica pelo posto de elite
das engenharias. Com o crescimento da indústria espacial no Brasil,
surge uma classe que será a elite dessa elite, os engenheiros
aeroespaciais. Em 2005, segundo estudos feitos pela Agência Espacial
Brasileira, eles eram 3,1 mil, 'absolutamente insuficientes' segundo a
avaliação da época.

Profissionais de alto desempenho, eram formados em extensões da
graduação de engenharia aeronáutica, até pouco tempo exclusivamente
oferecida pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e pela
Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos. A demanda gerada pelo
PNAE levou à criação, no ano passado, do primeiro curso de graduação
em engenharia aeroespacial, no ITA, coordenado pelo tenente-coronel
André Pierre Mattei. 'A primeira turma, com dez alunos, veio das
outras engenharias. Este ano teremos o primeiro vestibular', conta.

Além disso, a engenharia aeronáutica da USP de São Carlos está criando
uma especialização em aeroespacial e há mais duas universidades
investindo na área. 'Hoje, existem cursos na Universidade Federal de
Minas Gerais e na Universidade de Brasília. São graduações em
engenharia aeronáutica, mas eles também estão construindo foguetinhos,
o que significa que estão entrando na área espacial', diz Mattei.

Mestres. O número reduzido de vagas não é devido à falta de interesse
dos estudantes. 'Não temos professores capacitados, nem vagas no
alojamento. Existem planos de médio e longo prazo para ampliar essa
estrutura, mas isso implica em investimentos', afirma Mattei. Além
disso, o coordenador diz que há um grande número de professores e
pesquisadores próximos da aposentadoria compulsória, no ITA e no
Centro Técnico Aeroespacial (CTA).

A falta de professores também ocorre de forma grave na USP. 'Temos uma
vaga para professor de aviônica (voltada para os equipamentos de
bordo) aberta há seis anos e uma dificuldade crescente em manter o
estudante na academia, o que levaria à formação de novos professores',
conta o coordenador do curso de engenharia aeronáutica de São Carlos,
Fernando Martini Catalano. Segundo ele, o maior problema é o salário.
'Enquanto as bolsas de mestrado e doutorado não passam de R$ 2 mil
mensais, o mercado paga salários de R$ 4 mil a R$ 7 mil para
engenheiros aeronáuticos. Fica difícil segurá-los aqui.'

Vaga garantida. As carreiras de engenharia, seja na indústria espacial
ou aeronáutica, oferecem pleno emprego. 'Todo mundo sai empregado
daqui, mesmo nas demais engenharias. Quem se forma pelo ITA só não
consegue emprego se chutar o entrevistador', brinca Mattei. O mesmo
ocorre na USP. Também não há evasão nos dois cursos.

Para tentar mudar esse quadro, as duas instituições procuram parcerias
com a indústria, em projetos de construção de aeronaves, satélites ou
foguetes com o envolvimento dos alunos. 'Temos um projeto em parceria
com a Embraer, por exemplo, para o curso de doutorado. O aluno ajuda a
desenvolver o produto e no final da pós, é contratado pela empresa',
conta Catalano.

No ITA, os alunos da graduação em aeroespacial estão construindo dois
satélites, o Itasat, com 100 quilos e encomenda de uma agência de
fomento, e um satélite universitário. 'É um satélite para estudo. Os
alunos constroem durante três anos e a ideia é lançá-lo depois, com
ajuda dos lançadores do Brasil ou estrangeiro', explica Mattei.

E a indústria procura a academia para formar a sua mão de obra. 'Temos
no ITA o mestrado profissional, que é um curso feito por encomenda e
bancado por uma indústria específica, criado para tentar suprir o
mercado', conta Mattei.

Talentos sofrem pressão de fora

Estágios. Luiz Guilherme Correa se formou pela USP e fez estágio na
Airbus, na Alemanha

Um engenheiro aeronáutico pode trabalhar na indústria aérea
(fabricação de aeronaves e equipamentos, manutenção, nas companhias
aéreas e na Agência Nacional de Aviação Civil - Anac), mas também em
qualquer área em que haja aplicações críticas e com altos requisitos
de confiabilidade. Por exemplo, em usina hidrelétrica e nuclear ou na
medicina de alta precisão, usina nuclear. Luiz Guilherme Correa, 22
anos, acabou de se formar, na USP. Depois de um estágio de um ano na
Airbus, em Bremen, na Alemanha, decidiu voltar ao Brasil. 'Foi muito
interessante. Achei que teria dificuldade, mas me surpreendi.
Comparado com os estagiários locais, não tive dificuldade nenhuma.'
Agora, ele vai participar de um projeto de pesquisa com a Embraer para
desenvolver uma aeronave silenciosa.

Mudança. Entz vai trabalhar na Airbus em Toulouse, França

A boa formação dos engenheiros aeronáuticos brasileiros tem provocado
uma evasão de talentos. Ricardo Entz, 23 anos e recém formado pela
USP, está se mudando para Toulouse, na França, para participar de um
projeto de pesquisa da Airbus. 'Participei de um programa de estágio
na empresa e fui convidado para fazer o doutorado lá', conta. O curso
vai levar três anos e ele ainda não sabe o que vai fazer quando
terminar. 'Vai depender das oportunidades que surgirem', diz. Para
desespero do professor Fernando Martini Catalano, da USP, que conta
com outros dois alunos para compor seu quadro de pesquisa.