quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Investidor tem paciência e apreensão sobre novo governo, diz economista

O Brasil vive hoje o melhor momento dos últimos 50 anos para
consolidar sua economia e se posicionar como  um país dinâmico e
equilibrado.

Por isso, é hora de incentivar a poupança, o investimento e tocar
reformas estruturais para melhorar a produtividade do país.

Este é o diagnóstico feito pelo economista Paulo Leme, do banco
americano Goldman Sachs.

Leme, muitas vezes cotado para assumir o BC, está há muitos anos no
mercado internacional acompanhando e analisando a evolução da economia
brasileira.

Segundo Leme, mesmo otimistas sobre o futuro do país, os investidores
estrangeiros "aguardam com paciência e apreensão", a formatação do
programa econômicos do novo governo de Dilma Roussef.

Em entrevista exclusiva ao blog, Leme afirma que vivemos hoje
"condições únicas e que é fundamental saber tirar proveito delas e
levar adiante o processo de crescimento sustentável".

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Começamos o próximo ano com alertas ou desafios na economia?

Leme – Eu diria que com mais desafios, mas com uma observação
importante. Temos uma transição de um governo para outro, uma economia
relativamente sólida, com um bom comportamento de crescimento,
estabilidade macroeconômica. Mas, obviamente, precisamos recalibrar os
instrumentos para poder centrar o norte para o objetivo principal de
aumentar a taxa de crescimento da economia, mantendo a estabilidade de
preços e do balanço de pagamentos (contas externas). Acho que esses
são os desafios maiores do novo governo.

E por onde começar?

Leme - Pelo o que chamo de harmonização dos instrumentos de política
macroeconômica. Reconciliar objetivos como, por exemplo, crescimento
com estabilidade de preços utilizando instrumentos de política fiscal,
salarial, de crédito e política monetária. Na minha opinião hoje há um
peso excessivo sobre o Banco Central e, portanto, sobre a política
monetária,  tanto em matéria de compulsórios como em taxa de juros,
para poder se alcançar as metas de inflação. Um arrefecimento do ritmo
da despesa do governo, especialmente diminuindo o ritmo do crescimento
dos gastos correntes, contratações, salários, não só para poder
aumentar o superávit primário de maneira expressiva, como também para
poder diminuir a necessidade de financiamento do setor público.

O primeiro desafio então é aliviar essa pressão sobre BC?

Leme – Sim, com as outras áreas fazendo um esforço proporcional ao do
BC.  A outra reconciliação que é importante ser feita é o
reconhecimento de que o governo não pode afetar sozinho o valor do
dólar. Existe uma série de mudanças na economia internacional que
estão pressionando a taxa de câmbio de equilíbrio no Brasil. Então, o
que o governo pode fazer é mexer no lado da despesa, dos custos do
exportador, do produtor. Aqui eu falo de carga tributária, custo de
mão-de-obra, previdência, etc. Por isso, temos que levar adiante as
reformas que visem aumentar a produtividade, o que poderia compensar,
em parte, a apreciação do câmbio. Pode também resolver esse dilema,
essa tensão de ter objetivos demais com um instrumento só que hoje  é
a taxa de juros definida pelo BC.

O último dado do PIB divulgado pelo IBGE mostrou mais consumo, menos
produção na economia.  Onde está a saída para o equilíbrio? Onde está
o perigo?

Leme - Eu penso que o maior perigo não é um desarranjo macroeconômico,
mas sim perder a melhor oportunidade dos últimos 50 anos para
consolidar um crescimento sustentado mais elevado. Para um crescimento
sustentável de longo prazo, afora a produtividade que vai exigir mais
reformas para que possamos crescer mais com mesmo estoque de capital e
de força de trabalho, é necessário investir mais. Temos que começar a
procurar maneiras de aumentar a poupança, sair do ciclo de crescimento
da economia baseado no consumo e, com isso, gerar espaço maior para
investimento. Isso pode nos levar ao aumento do PIB potencial da
economia, podendo manter uma demanda de consumo maior sem que ela seja
inflacionária.

A relação entre demanda e oferta no brasil está muito desequilibrada?

Leme - É muito claro o descompasso entre o crescimento da demanda
agregada, que deve ser acima de 11% este ano, e o crescimento do PIB
que, na margem sobe 5%. Ou seja, a demanda cresce num ritmo duas vezes
mais rápido do que a oferta. Ora, dado que as políticas fiscal,
creditícia, salarial e monetária são expansionistas, atendemos essa
demanda com as importações, num ritmo de crescimento próximo a 50%. O
que acontece em relação as contas nacionais? Aumenta o déficit em
transações correntes, que hoje está próximo a 2,7% do PIB e isso drena
crescimento.

Qual é expectativa investidor estrangeiro com relacão aos caminhos que
estão sendo traçados pelo novo governo?

Leme - Eu diria que o investidor estrangeiro tem uma visão muito
otimista com relação ao futuro do país, mas aguarda de maneira
paciente, porém apreensiva, as decisões e a formulação da política
econômico do novo governo. Seja no plano de gestão macroeconômica,
como também no plano de reformas estruturais. É precipitado ou
prematuro ter uma opinião antes de saber exatamente qual será o
programa do próximo governo.

Essa discussão seria impossível há pouco tempo no Brasil. hoje é mais
factivel colocar isso tudo em prática?

Leme – Mais do que factível, acho que é fundamental porque é a única
maneira de gerar crescimento, emprego, melhorar distribuição de renda,
diminuir a desigualdade e realmente posicionar o Brasil para ser uma
economia dinâmica, vibrante, que possa crescer mais no futuro. Isso
seria fundamental para, inclusive, aproveitar essa inserção que o país
tem hoje junto às economias mais dinâmicas do mundo, como os países na
Ásia, e outros emergentes. Coisa que não estava disponível há 15 anos.

É uma questão de vontade política com cenário propício?

Leme – É mais do que vontade, é lucidez, é ter o diagnóstico preciso
de qual é a conjuntura atual e quais são as melhoras. Hoje o
crescimento potencial está numa faixa de 4,5% ao ano,  é praticamente
o dobro do que era 10, 15 anos atrás. Em parte,  essa melhora é uma
resposta aos ganhos institucionais que tivemos como inflação baixa e
estável, uma política monetária confiável e previsível do BC, uma
posição externa mais sólida,  a quebra do vínculo entre a dívida
pública e a taxa de câmbio, são ganhos importantes que vem desse o
governo de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro mandato de Lula.

São condições únicas que hoje estão disponíveis e que é fundamental
saber tirar proveito delas e levar adiante o processo de crescimento.
Mas temos que passar pela  harmonização dos instrumentos de política
macroeconômica, em segundo lugar fomentar o aumento da poupança e
finalmente, levar adiante as reformas estruturais, principalmente a
reforma tributária  para aumentar a produtividade do país.