segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Visão latina sobre China é míope, aponta estudo do BID

 João Villaverde

Não é exagero pensar que China e Brasil foram destinados a ser grandes parceiros comerciais, mesmo que seus governos fossem incapazes de perceber as oportunidades. Mas depois de construírem uma forte relação comercial nos últimos dez anos, é preciso mudar. A avaliação é de Maurício Mesquita Moreira, economista-chefe para a América Latina do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), autor de estudo que o BID divulga hoje em Washington sobre as relações entre chineses e latino-americanos na década que termina. Para ele, uma mudança nas relações diplomáticas e comerciais entre os países da região, Brasil à frente, e a China, é inevitável.

"O Brasil passou de uma posição ingênua, no começo da década, para uma percepção mais madura do jogo. E deve endurecer nas questões tarifárias se quiser ganhar mais espaço", diz Moreira. Ele se refere à relação comercial fortemente concentrada na exportação de produtos básicos, por parte do Brasil, e na maciça venda de bens industrializados, do lado chinês. "O desequilíbrio é ainda mais brutal no restante da América Latina, onde as exportações para a China são praticamente nulas, mas as importações são enormes", diz.

"Seria virtualmente impossível para a China sustentar uma taxa de crescimento de dois dígitos sem importar uma quantidade enorme de produtos básicos, e a América Latina é uma das poucas regiões do mundo em que esses recursos podem ser encontrados em abundância", resume o estudo "Dez anos após disparar", do BID. Não à toa, os principais produtos exportados pelos latino-americanos aos chineses são oriundos do campo e das minas.

Apenas soja, ligas e minério de cobre e minério de ferro respondem por 57,8% de tudo o que é vendido à China. Mesmo assim, apenas quatro países da região registraram saldos positivos na balança comercial com os chineses na década. O Chile, maior produtor de cobre e derivados do mundo, obteve o melhor resultado: o saldo comercial com a China respondeu por 28% do total comercializado pelo país na década. No Brasil, a participação foi de 4,1%. Já no conjunto da América Latina, o saldo é negativo em 3,3%.

Para Moreira, os países latino-americanos tiveram uma visão míope, ao longo da década, deixando as imperfeições se aprofundarem em troca de crescentes saldos comerciais e de investimentos diretos de companhias chinesas. Apenas entre janeiro e julho deste ano, os investimentos diretos chineses no Brasil foram 61 vezes maiores que em todo o ano de 2003, primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, atingindo US$ 408,5 milhões. "Mas ainda é pouco, e mesmo essa relação é desigual, uma vez que os investimentos feitos pelas empresas brasileiras na China foram devido às duras condições impostas pelo governo chinês", afirma Moreira, que cita o caso da Embraer, que começou a investir em fábricas na China no ano 2000, respondendo aos anseios do governo local, que exigira da companhia o desenvolvimento de aviões no país. "O governo chinês disse que só compraria aviões da Embraer se fossem produzidos lá."

Para o economista-chefe do BID, além das barreiras não-tarifárias, como as imposições para internalização de investimentos, os principais entraves para uma melhora na composição da balança comercial entre Brasil e China, que amplie as exportações de manufaturados, são as barreiras tarifárias, que continuam elevadas, mesmo após os cortes promovidos pelo governo chinês desde que o país ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001.

Segundo o levantamento do BID, a China cobra tarifa média de 9,1% sobre o produto industrializado oriundo da América Latina, e apenas 1,3% sobre os bens minerais. "Mas é óbvio que não tem bom moço nessa história, porque as tarifas brasileiras ainda são altas, como os 15,8% em média cobrados dos manufaturados chineses", diz Moreira, para quem uma redução nas duas pontas ampliaria, inclusive, as relações políticas e diplomáticas.

"Está na hora de lavar a roupa suja", diz Moreira, "discutindo a redução de barreiras, tarifárias ou não, deixando a estratégia de comércio exterior brasileira mais aprimorada e madura quanto à China". No estudo, o caso da montadora Chery é elogiado, e lembrado como exemplo a ser seguido. A fábrica chinesa chegou no Uruguai, em 2007, e no Brasil, neste ano, com investimentos que totalizarão US$ 500 milhões. "Essa é uma menção honrosa e que a diplomacia da região deve usar como bandeira de novos projetos."