quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Petróleo preocupa, mas não ameaça por ora a retomada global

Autor(es): Rodrigo Uchoa

Valor Econômico


As cotações do petróleo começam a ficar nervosas à medida que os
protestos se alastram na Líbia e chegam perigosamente perto da Arábia
Saudita, o maior produtor mundial e o único com capacidade de suprir
quantias suficientes de óleo no caso de interrupções no fornecimento
pelos países vizinhos. A temperatura dos preços subiu a ponto de criar
expectativas de que o limite em que é capaz de causar estragos na
economia global pode não estar longe, embora para isso seja necessário
algo impensável até há pouco: que a Arábia Saudita mergulhe em uma
onda de insatisfação popular.

Com a iminente queda do ditador Muamar Gadafi, na Líbia, que patrocina
massacres para se manter no poder, e a persistência de manifestações
de descontentamento no Iêmen, Bahrein, Argélia e Marrocos, a crise das
autocracias árabes mudou de qualidade, avalia Mohamed El-Erian, CEO da
Pimco, maior gestora de fundos de renda fixa do mundo. Para ele, os
acontecimentos do fim de semana foram um "ponto de inflexão". "No
curto prazo, os acontecimentos na região serão estagflacionários para
a economia mundial", afirma em artigo ao "FT" reproduzido pelo Valor.
A alta do petróleo elevará os custos de produção, a maior estocagem
preventiva em todo o mundo intensificará a pressão sobre as
commodities como um todo, agravando o impacto de desequilíbrios entre
oferta e demanda, e a região será um mercado menor para as exportações
de outros países.


A revolta popular que está abalando o mundo árabe, e que já afeta
países produtores de petróleo, por enquanto não ameaça a recuperação
da economia mundial. Mas economistas alertam que há riscos, caso o
movimento se alastre para a Arábia Saudita ou a alta do petróleo se
prolongue demais. Apesar de mostrar confiança cautelosa, economistas,
banqueiros e autoridades de instituições internacionais advertem que
um temido contágio saudita mudaria a situação radicalmente.

Para Fatih Birol, economista-chefe da Agência Internacional de Energia
(AIE), os preços estão "perigosamente altos". Ele diz não haver um
"limite" que, ultrapassado, poria de imediato em risco a retomada da
economia mundial. "Não há dúvida de que [a alta do petróleo] reduzirá
a quantidade de dinheiro para o consumo e o investimento, mas o ponto
de inflexão só se dará mesmo se a confiança na economia entrar em
colapso."

Birol diz que o barril de petróleo acima de US$ 100 pode ser um risco
para a recuperação mundial no médio prazo. "Por enquanto, a confiança
mundial ainda é forte."

Michael Lewis, chefe de pesquisa de commodities do Deutsche Bank, em
Londres, também acha que "as economias são vulneráveis ao preço do
petróleo, mas, até agora, parece que a confiança do consumidor e dos
empresários está relativamente forte", afirmou em relatório do banco.

Essa visão é compartilhada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
"É improvável que [a crise no Oriente Médio e no norte da África] gere
uma mudança substancial no panorama econômico mundial", disse ontem o
vice-diretor-geral do Fundo, John Lipsky.

O FMI prevê uma expansão da economia mundial da ordem de 4,4% neste
ano - previsão que leva em conta o barril a US$ 95.

Julian Jessop, economista da Capital Economics, de Londres, diz que,
"a cada US$ 10 de aumento nos preços do barril de petróleo, o
crescimento da economia mundial perde mais ou menos meio ponto
percentual".

Isso é particularmente preocupante para a China, maior consumidor
mundial de energia. A inflação no país já está acima das metas do
governo, e poderia piorar bastante com uma grande elevação dos preços
do petróleo.

Por enquanto, as grandes economias vêm mostrando dados seguros de
confiança, o que ajuda a sustentar as previsões econômicas.

O índice de confiança do consumidor dos EUA, elaborado pelo Conference
Board, saltou para 70,4 em fevereiro, ante o dado revisado de janeiro
de 64,8. O resultado alcançou o nível mais alto em três anos e superou
as estimativas dos economistas, que previam 66.

Na Alemanha, maior economia da Europa, os empresários também continuam
confiantes. O indicador que mede a percepção sobre as condições dos
negócios no país, elaborado pelo Ifo, registrou nova elevação,
passando de 110,3 pontos na leitura de janeiro para os atuais 111,2
pontos. Foi o nono avanço mensal consecutivo. A indústria alemã
planeja ampliar o quadro de funcionários.

Mesmo com esse otimismo, a possibilidade de que a onda de levantes
chegue à Arábia Saudita assusta analistas e banqueiros.

Para o Bank of America Merrill Lynch, o barril de Brent deve ser
negociado no curto prazo em uma banda de US$ 105 a US$ 110. Segundo o
banco americano, apenas um barril a US$ 120, por um período de tempo
prolongado, seria capaz de criar danos extensivos à economia mundial.

O Goldman Sachs também acha que o barril pode atingir níveis recordes
se as turbulências chegarem à Arábia Saudita.

Atualmente, os sauditas têm capacidade de aumentar a produção em 4
milhões de barris diários, seguindo a AIE. Isso serviria para
compensar com facilidade qualquer tipo de interrupção da produção na
Líbia, que produz cerca de 1,8 milhão de barris/dia.

Ali Naimi, ministro do Petróleo saudita, disse que a Opep está pronta
para aumentar a produção, se necessário. "Já fizemos isso tantas
vezes, quando outras crises apareceram", afirmou. Mas essa capacidade
está concentrada na Arábia Saudita. Por isso o mercado teme tanto
problemas no país.